1 A Expansão Mercantil Européia
1. A transição do feudalismo para o capitalismo
A época da expansão mercantil européia – séculos XV e XVI – ou das Grandes Navegações e Descobrimentos é marcada, em termos estruturais, pela transição do feudalismo para o capitalismo. Nesse momento, de passagem da Idade Média para a Moderna, ocorria a crise do sistema feudal e, concomitantemente, o advento das características iniciais de um novo sistema, o capitalismo, em sua forma embrionária denominada pré-capitalismo. Está claro que o capitalismo somente assumiu sua forma plena com a Revolução Industrial, contudo desde a época em questão diversos elementos que o caracterizam já se faziam sentir, tais como a produção para mercado, as trocas monetárias, a busca de lucros e as operações financeiras típicas do mundo capitalista dos nossos tempos.
Do ponto de vista político, é a fase final do processo de formação das Monarquias Nacionais, a caminho do Estado Moderno, no qual o processo de centralização do poder político assume sua forma mais radical com o absolutismo monárquico. No plano social ocorre a lenta ascensão da burguesia, uma nova classe social, plenamente identificada com o capitalismo nascente. Outro aspecto socioeconômico de destaque no período é a crescente urbanização, resultante do desenvolvimento das atividades mercantis nos últimos séculos da Idade Média. Nesse passo, a cultura e a religião também são marcadas por importantes transformações; no caso da primeira, desenvolvia-se a renovação cultural européia com o Renascimento, entendido aqui não só como um movimento intelectual, mas também como uma transição entre os valores religiosos (teocentrismo) e os interesses materialistas (vinculados ao antropocentrismo). Por sua vez, a unidade religiosa seria rompida com o processo das Reformas Religiosas, emergindo daí a ética protestante plenamente identificada com o espírito de acumulação capitalista.
2. O comércio e as crises da Baixa Idade Média
Para um melhor entendimento do processo da expansão ultramarina européia que se iniciou no século XV, torna-se necessária a compreensão do panorama econômico do Velho Continente nos dois séculos que antecederam as Grandes Navegações.
No século XIII, em função do Renascimento Comercial e Urbano, iniciado em séculos anteriores com as Cruzadas, encontramos uma intensa atividade mercantil. Essa economia mercantil cada vez mais monetarizada era marcada por fortes contatos com o Oriente e tinha como eixo principal o mar Mediterrâneo, na época, transformado outra vez, num verdadeiro lago italiano; dos mares Negro e Egeu até o estreito de Gilbratar, os mercadores italianos atingiam os mais remotos pontos de comércio do Velho Mundo. Disso resultou a importância das cidades italianas, como Veneza e Gênova, uma vez que os seus comerciantes detinham o controle dos grandes entrepostos comerciais da borda oriental do Mediterrâneo, como Alexandria, Antioquia, Beirute e, principalmente, Constantinopla, capital do Império Bizantino e um grande empório comercial desde a Antiguidade. Na parte setentrional da Europa, os mares Báltico e do Norte eram o palco de um intenso tráfego mercantil. Em terra, as rotas de mercadores cortavam o continente em várias direções, pontuadas pelas movimentadas feiras de comércio. As cidades viam crescer sua população, especializando-se na produção para mercado e nas transações comerciais.
No século XIV, esse quadro se inverteu. A Europa foi assolada pela trilogia fome, pestes e guerras, expressão direta da crise geral do feudalismo, onde não faltaram as rebeliões camponesas (exemplo das Jacqueries na França) e as revoltas de artesãos nos principais manufatureiros da época. Ale de abalar decisivamente a economia feudal, essencialmente agrária e já decadente, essa crise abateu-se também sobre o ativo comércio mediterrâneo, neste século, marcado pela grande estagnação que se estendeu até o início do século XV. Neste último século, a situação do comércio e da burguesia européia era crítica, tornando-se vital, portanto, a reativação do comércio com as regiões orientais, vista côo a única forma de recuperação da combalida economia mercantil-monetária.
3. Fatores do expansionismo mercantil europeu.
O expansionismo mercantil europeu que assinala o início dos Tempos Modernos resultou do conjunto de transformações e necessidades que marcaram o final da Idade Média européia. Nele, conjugam-se um conjunto de fatores econômicos, políticos, sociais, culturais e religiosos aliados a seguir:
Econômicos
No plano econômico, a Expansão Marítima deve ser entendida como saída para superação das crises que atingiram a Europa no século XIV e no início do século XV. Isso se daria através da retomada do lucrativo comércio oriental, no qual se destacavam os artigos de luxo (sedas, musselinas, tapeçarias, objetos de marfim, jóias e outros) e as famosas especiarias (cravo, pimenta, canela, noz-moscada, açúcar etc). Para que fosse possível essa retomada, eram necessárias a conquista de novas frentes de comércio e novas rotas marítimas para as “Índias”, expressam da época que designava o Oriente. Essas novas frentes comerciais foram estabelecidas, num primeiro momento, como centros mercantis do norte da África e no litoral atlântico-africano. A necessidade de novas rotas marítimas para o Oriente, por sua vez, devia-se ao controle dos comerciantes árabes sobre os mercados do Oriente Médio, Índia, China, Japão e outras praças asiáticas e ao monopólio das cidades italianas na circulação da rota do Mediterrâneo. Finalmente, havia a necessidade de metais preciosos usados na cunhagem das moedas, na época escassos na Europa e essenciais para reativação do rico comércio oriental.
Políticos
Entre os fatores políticos, encontramos a centralização do poder nas mãos dos reis, que assinalou a formação das monarquias nacionais européias, pois somente um estado politicamente centralizado poderia, do ponto de vista econômico e administrativo, planejar e executar a empresa expansionista. Outro fator político, intimamente vinculada a este processo foi a aliança entre os monarcas europeus e a burguesia mercantil; esta, embora fosse uma classe enriquecida, era ainda extremamente dependente da ação do estado, o único capaz de mobilizar recursos materiais e humanos em escala nacional e, ao mesmo tempo, de adotar medidas protecionistas à sua atividade econômica.
Sociais
No plano social, destaca-se a ascensão da burguesia e o processo de crescimento urbano, que se refletia diretamente no aumento do consumo dos produtos orientais, caracterizando a modificação dos hábitos e costumes da população das cidades européias da época.
Culturais
Culturalmente, encontramos a influência dos ideais filosóficos do humanismo renascentista, promovendo uma maior valorização do conhecimento do homem e do seu mundo. Além disso, a Renascença contribuiu de forma decisiva para o desenvolvimento das navegações, aprimorando e aperfeiçoando conhecimentos técnicos, como os aparelhos de orientação (bússola, astrolábio), a arte da construção naval (aprimorando as embarcações como as naus e as caravelas) e desenvolvendo as ciências e os estudos que revolucionaram a arte náutica, como a Geografia, a Cartografia, a Física, a Astronomia e outras.
Religiosos
No terreno religioso, o movimento expansionista apresentou-se como uma grande cruzada. O ideal cruzadista, entretanto, deve ser visto como justificativa para a empresa ultramarina, fornecida pela Igreja Católica e pela nobreza feudal, intimamente relacionado à luta contra o mundo mulçumano, com a conseqüente expansão da fé cristã, e aos interesses pela conquista de terras junto aos árabes, bem como pelos possíveis saques sobre os vencidos nessas lutas que se apresentavam como uma Guerra Santa.
Em função desses fatores, o processo das Grandes Navegações assumiu três orientações mutuamente complementares: 1) a exploração mercantil do litoral norte e atlântico da África, iniciada por Portugal no século XV; 2) o descobrimento, a conquista e a colonização da América, empreendidos por Portugal e Espanha basicamente no século XVI; e 3) nesse mesmo século, a formação do Império Português no Oriente (Índia), estabelecendo uma nova frente comercial com o Oriente.
2 Grandes Navegações e Descobrimentos Marítimos
1. Portugal e o ciclo oriental de navegações
Coube a Portugal o pioneirismo e a liderança inicial no processo de expansão mercantil européia, desenvolvendo o Ciclo Oriental de Navegações, isto é, um conjunto de expedições marítimas procurando chegar ao Oriente; navegando no sentido sul-oriental, o que implicou, inicialmente, o desenvolvimento do litoral africano.
O pioneirismo português deveu-se a um conjunto de fatores, tais como a centralização política, resultando na formação de uma monarquia nacional precoce. Esse processo iniciado ainda na dinastia de Avis, depois da Revolução de 1385. Os reis de Avis, aliados à dinâmica burguesia mercantil lusa, voltaram-se para a empresa náutica planejando as atividades do Estado no sentido de desenvolvê-la, a partir dos incentivos aos estudos e à arte náutica: estes ficaram a cargo do príncipe-infante D. Henrique – o Navegador – que em 1418 criou a “Escola de Sagres”, denominação figurada de um grande centro de estudos náuticos situado no promontório de Sagres. Portugal gozava nessa época de uma situação de paz interna: além disso, sua posição geográfica privilegiada – as terras mais a oeste da Europa – na rota Mediterrâneo-Atlântico possibilitou uma certa tradição ao comércio marítimo através de vários postos comerciais relativamente desenvolvidos.
As navegações e as conquistas portuguesas
Os portugueses lançaram-se aos mares, dando início ao “Ciclo Oriental”, e promovendo o devassamento do litoral africano. Neste ciclo, destacam-se as seguintes conquistas: em 1415, uma expedição militar tomou Ceuta (Noroeste da África), na passagem do Mediterrâneo para o Atlântico, uma cidade para onde convergiam as caravanas de mercadores mulçumanos transaarianos, e que dava a Portugal o controle político-militar do estreito de Gilbratar. Essa vitória, embora seja considerada o marco inicial da expansão marítima lusa, redundou em fracasso comercial, uma vez que as caravanas africanas desviaram o tráfico mercantil para outras praças ao norte do continente. Procurando atingir as regiões produtoras das mercadorias africanas, os portugueses passaram a contornar gradativamente a costa atlântica da África.
Em 1434, o navegador Gil Eanes atingiu o Cabo Bojador (à frente das Ilhas Canárias). Logo após, em 1445, os portugueses atingiram a região do Cabo Branco, onde fundaram a feitoria de Arguim. Paralelamente à conquista desses pontos no litoral africano, os portugueses foram conquistando e anexando as Ilhas Atlânticas: em 1419, o arquipélago da Madeira; em 1431, os Açores; e em 1445, as Ilhas de Cabo Verde. Nestas ilhas, foram introduzidas a lavoura canavieira e a pecuária, fundadas no trabalho do escravo africano, e sendo aplicado pela primeira vez o regimes de capitanias hereditárias.
Procurando um novo caminho para as Índias, em 1452, os navegadores lusitanos penetraram o Golfo da Guiné e atingiram o Cabo das Palmas; alguns anos mais tarde (1471), ultrapassaram a linha do Equador, penetrando no Hemisfério Sul. Em 1482, na costa sul da África, Diogo Cão atingiu a foz do Rio Congo e Angola, onde foram fundadas as feitorias de São Jorge da Mina; Luanda a Cabinda, locais em que se praticavam o comércio de especiarias e o tráfico negreiro.
Em 1488, Bartolomeu Dias atingiu o Cabo da Boa Esperança (Tormentas), completando o contorno do litoral atlântico da África (Périplo Africano). Dez anos mais tarde (1498) Vasco da Gama navegou pelo Índico e atingiu Calicute, na Índia. A partir daí, Portugal encetou sucessivas tentativas de formação do seu Império no Oriente. A primeira grande investida deu-se em 1500, com a organização de uma grande esquadra militar comandada por Pedro Álvares Cabral; desta expedição, temos a “descoberta” do Brasil e, depois, a tentativa cabralina de se fixar no Oriente.
Entre 1505 e 1515, Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque – este último, considerado o fundador do Império Português nas Índias – obtiveram sucessivas vitórias no Oriente, estendendo as conquistas lusas desde o Golfo Pérsico (Aden) à Índia (Calicute, Goa, Damão e Diu), ilha do Ceilão e alcançando a Indonésia, onde conquistaram a ilha de Java. Onde não foram obtidas conquistas militares, foram firmados acordos comerciais como é o caso da China (Macau) e Japão, entre 1517 e 1520. Mesmo baseados em um sistema de lucrativas feitorias, os gastos com as despesas militares e com a burocracia afligiam o Império Oriental Português. A partir de 1530, esses gastos, aliados à queda de preços das especiarias na Europa e à concorrência inglesa e holandesa, inviabilizaram sua sobrevivência. No século XVII, o vasto Império Luso já estava desmantelado.
2. As navegações espanholas
A Espanha teve sua participação retardada no processo expansionista. A longa luta de reconquista contra os invasores mulçumanos que dominavam a península desde o século VIII e as lutas internas entre os reinos hispânicos cristãos impediam a unidade política e, consequentemente, a formação da monarquia nacional espanhola. A unificação política da Espanha ocorreu somente em 1469, com o casamento dos reis católicos, Fernando, de Aragão, e Isabel, de Castela. Com isso, os espanhóis se fortaleceram e investiram contra os invasores que ocupavam ainda o sul da península e, após sucessivas vitórias, tomaram Granada (1492), último baluarte da dominação moura no continente europeu.
A partir daí, desenvolveu-se uma orientação uniformizada possibilitando o fortalecimento da burguesia mercantil, anteriormente beneficiada por medidas pontuais dos reinos de Castela e Aragão: no caso deste último, destaque-se a expansão mediterrânea no século XIV, levando os mercadores aragoneses até a Sicília onde comercializavam panos, gêneros alimentícios e especiarias. Em 1492, patrocinado pelos Reis Católicos, Cristóvão Colombo, um navegador genovês, deu início ao Ciclo Ocidental de Navegações, que consistia na busca de um caminho para o Oriente, navegando para o Ocidente.
Em 12 de outubro de 1492, Colombo atingia a Ilha de Guanananí (São Salvador), realizando o primeiro feito significativo das navegações espanholas, ou seja, o descobrimento da América. Acreditando ter atingido as Índias, Colombo realizaria ainda três viagens à América, tentando encontrar as “ricas regiões do comércio oriental”. No final de 1499, Vicente Yañez Pinzon, um dos comandantes de Colombo na viagem de descoberta da América em busca de um caminho que o levasse ao Oriente, atingiu a foz do rio Amazonas (Mar Dulce), colocando-se, portanto, como predecessor de Cabral no descobrimento do Brasil. Em 1513, ainda em busca de uma passagem para o Levante, Vasco Nuñes Balboa cruzou o istmo do Panamá o Oceano Pacífico. Outra empresa importante, relacionada à expansão marítima espanhola, foi a realização da primeira viagem de circunavegação iniciada em 1519 por Fernão de Magalhães, um navegador português a serviço da Espanha, e completada por Juan Sebastião Elcano, em 1522. Após 1.124 dias de navegação pelos mares desconhecidos, os espanhóis atingiram as ilhas das especiarias orientais pelo Ocidente, além de comprovar a esfericidade da Terra.
3. A partilha das terras descobertas
A rivalidade entre Portugal e Espanha pela disputa das terras descobertas de origem a uma série de tratados de partilha. Em 1480, antes da fase mais intensa das navegações espanholas foi firmado o Tratado de Toledo, pelo qual Portugal cedia à Espanha as ilhas Canárias (Costa da África), recebendo em troca o monopólio do comercio e navegação do litoral africano ao sul da linha do Equador.
A descoberta da América serviu para aumentar a rivalidade entre os dois paises e exigiu um novo tratado. Desta feita, o Papa Alexandre VI (cardeal aragonês) atuou como árbitro através da Bula Inter Coetera 1493. Uma linha imaginária foi traçada a 100 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde: as terras situadas a oeste da linha demarcatória ficariam para a Espanha, cabendo a Portugal as terras a leste, ou seja, o mar alto, o que gerou protestos de D. João II, o rei de Portugal.
Em função da reação portuguesa foi estabelecida uma nova demarcação que ficou conhecida como Tratado de Tordesilhas (1494). A linha imaginária passaria agora a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde: a porção ocidental ficaria pertencendo à Espanha, cabendo a Portugal a porção oriental. Dessa forma, parte das terras do Brasil passavam a pertencer a Portugal. Contudo, a linha de Tordesilhas, que, provavelmente, passaria por Belém, ao norte, e por Laguna, no litoral catarinense, nunca foi concretamente demarcada.
A presença espanhola no Oriente, depois da viagem de Fernão de Magalhães, exigiu também a demarcação da parte oriental do planeta, através do Tratado ou Capitulação de Saragoça (1529). Por este acordo, uma linha imaginária dividiria o mundo oriental entre Espanha e Portugal, a partir das Ilhas Molucas.
A divisão do mundo entre portugueses e espanhóis desencadeou a reação da França, Inglaterra e Holanda, países marginalizados pelos tratados de partilha. Daí, a sucessão de ataques corsários e as invasões das possessões ibéricas na América, África e Ásia.
4. As conseqüências da expansão marítima.
As Grandes Navegações e Descobrimentos modificaram de forma significativa o mundo até então conhecido. Dentre as principais conseqüências da expansão européia devem ser destacadas:
. O deslocamento do eixo econômico europeu do Mediterrâneo para o Atlântico-Índico, com a ascensão dos países ibéricos e a conseqüente decadência das cidades mercantis italianas.
. A consolidação do Estado Absolutista, típico da Época Moderna, que depois de patrocinar o movimento expansionista, passou agora a usufruir dos seus lucros.,
. Adoção da política econômica mercantilista, baseada no protecionismo do Estado e no regime de monopólios.
. A formação do Sistema Colonial Tradicional vinculado à política econômica mercantilista e responsável pela colonização da América.
. O renascimento da escravidão nas áreas colônias nos moldes do capitalismo moderno, com a utilização intensiva da força de trabalho indígena e africana.
. O fortalecimento da burguesia mercantil nos países atlânticos.
. Início do processo de europeização do mundo, especialmente, com a expansão do cristianismo.
. A destruição das avançadas civilizações pré-colombianas existentes na América.
. A expansão do comércio europeu (Revolução Comercial), dentro de uma nova noção de mercado, agora entendido em escala mundial.
. Aceleração da acumulação primitiva de capital, realizada através da circulação de mercadorias.
. Revolução dos Preços, provocada pelo crescente afluxo de metais preciosos provenientes da América.
5. O descobrimento do Brasil.
Em 9 de março de 1500, uma grande esquadra portuguesa, composta de 13 embarcações, reunindo aproximadamente 1.200 homens (na sua maioria soldados), deixou o Tejo sob o comando de Pedro Álvares Cabral. O seu destino era o Oriente e suas finalidades eram fundação de feitorias e o estabelecimento das conquistas nas Índias, em outras palavras, a formação do Império Português no Oriente. Essa esquadr5a, que, segundo alguns estudiosos, tinha também o objetivo de reconhecer e tomar posse de terras no Atlântico Sul, que pertenciam a Portugal, acabou por “descobrir” o Brasil em abril do mesmo ano.
Documentos históricos do descobrimento.
Vários documentos históricos tratam do Descobrimento do Brasil, destacando-se, entre eles:
. A Carta de Pero Vaz de Caminha, dando notícia do descobrimento do Brasil e que foi levada para Portugal por Gaspar de Lemos. Desaparecida até o início do século XIX, foi reencontrada na Torre do Tombo (Lisboa) e publicada pela primeira vem em 1817, na Coreografia Brasílica do padre Aires do Casal.
. Mestre João, um documento não-oficial escrito por um físico (médico na época) e cosmógrafo.
. Relatório do Piloto Anônimo, também não-oficial, que teria sido redigido por um dos pilotos da esquadra cabralina, nunca identificado.
. A Carta de D. Manuel I aos reis da Espanha, escrita em 1501, comunicando a chegada de Cabral "a uma terra que novamente descobriu".
AS CONTROVÉRSIAS SOBRE O DESCOBRIMENTO
Durante muito tempo acreditou-se que o Brasil tivesse sido descoberto no dia 3 de maio de 1500. Porém, o reaparecimento da Carta de Caminha, que registra o dia 22 de abril como data oficial, acabou desfazendo a dúvida; Para muitos, a baía de Porto Seguro (sul da Bahia) teria sido o local onde aportou a esquadra de Cabral e onde o frei Henrique Soares de Coimbra teria rezado a primeira missa. A descrição geográfica de documentos não deixam dúvidas de que o verdadeiro porto seguro, citado por Caminha, seria a baía Cabrália, também no sul do litoral baiano.
O DESCOBRIMENTO DO BRASIL: CASUALIDADE OU INTENCIONALIDADE?
De acordo com a tese da casualidade, Cabral procurando fugir das calmarias, afastou-se em demasia da costa africana e ao descrever uma rota em arco, muito aberta, teria atingido o Brasil. Outro argumento da casualidade é que uma tempestade teria desviado a esquadra cabralina: empurrada pelos ventos para uma corrente marítima aquela acabou por encontrar o litoral brasileiro.
Aqueles que defendem a intencionalidade refutam esses argumentos baseados nos próprios documentos históricos. Em nenhum deles, em especial na carta de Caminha, se encontram referências a fenômenos meteorológicos ou geográficos, como tempestade, ventos ou corrente marítima, capaz de desviar o curso de navegação; ocorrências que, no mínimo, mereceriam registro do escrivão da frota. Da mesma forma, o afastamento da costa africana, para fugir das calmarias, estava previsto e fazia parte das instruções de Vasco da Gama, recomendando a "navegação em arco". Portanto, os navegadores portugueses - hábeis e com larga experiência em viagens ultramarinas - não poderiam ter cometido um erro grosseiro de navegação.
A Carta de Pero Vaz de Caminha, que pode ser considerada o "registro de nascimento" do Brasil, descreve todas as ocorrências envolvendo a esquadra, bem como o cotidiano da tripulação. como se a escala no Brasil estivesse prevista, não se alterando, em nenhum momento, os planos Iniciais da viagem.
Ainda como argumento da intencionalidade, na carta que escreveu aos reis da Espanha, D. Manuel I demonstra um certo conhecimento sobre as terras que ele comunica terem sido "descobertas" no Atlântico. Por fim, a reação de D. João II, rei de Portugal na época dos tratados de partilha, ao contestar a demarcação da Bula Inter Coetera de 1493, aceitando, posteriormente, a demarcação de Tordesilhas de 1494, é uma prova cabal do conhecimento que os portugueses tinham de terras na parte ocidental do Atlântico.
6. As populações indígenas do Brasil
No caso da América lusa, a população ameríndia era de aproximadamente 5 milhões de indivíduos, espalhados pelo imenso território brasileiro e que, num primeiro momento, não ofereceu grande resistência ao colonizador europeu.
Classificação
A primeira classificação dos indígenas foi feita pelos jesuítas, baseada na língua e na localização. Os que habitavam o litoral (os tupis), foram chamados de índios de língua geral e os que viviam no interior (tapuias), de índios de língua travada. No século XIX, o estudioso alemão Karl von den Steinen, apresentou a primeira classificação científica dos indígenas brasileiros, dividindo-os em quatro grandes grupos básicos ou nações: tupis-guaranis, jês ou tapuias, nuaruaques ou maipurés e caraíbas ou caribas e quatro grupos menores: goitacás, panos, miranhas e guaicurus.
A organização dos povos indígenas do Brasil
O estágio de desenvolvimento cultural do indígena brasileiro era atrasado, não apenas em relação ao branco europeu, como em relação a outros povos pré-colombianos mais avançados, como os incas e os astecas. Mesmo entre os índios brasileiros, não há homogeneidade, por suas variadas culturas e nações.
Os brasilíndios tinham como organização básica a aldeia ou a taba, formadas pelas ocas ou malocas, dispostas em círculos, onde viviam as famílias. O governo era exercido por um conselho - nheengaba -, formado pelos mais velhos, e só em época de guerra escolhiam um chefe, o cacique ou morubixaba. Além de praticar a caça, a pesca, a coleta de frutos e raízes, desenvolviam ainda a agricultura de subsistência, com o cultivo da mandioca, do milho e do tabaco, valendo-se para isso de técnicas rudimentares, como a queimada ou coivara. Os casamentos eram endogâmicos, isto é, entre pretendentes de uma mesma tribo; a sucessão se dava pela linha paterna e a poligamia era permitida, embora pouco freqüente. A mulher, mera procriadora, tinha um papel secundário, mesmo na divisão de trabalho, em que cuidava das plantações, da coleta de frutos, do preparo dos alimentos, e por fim, das crianças. Eram politeístas e animistas, vinculando suas divindades à natureza, e mesmo a prática da antropofagia tinha um caráter ritual. Utilitaristas, produziam utensílios de cerâmica, de madeira e de palha, sempre para o uso cotidiano.
O avanço da colonização e a resistência
Os primeiros contatos entre portugueses e indígenas podem ser considerados amistosos. Aos índios, atribuiu-se o espírito de colaboração quando do extrativismo do pau-brasil e de docilidade diante da ação conversora dos jesuítas. Sua belicosidade ficava por conta das guerras que travavam entre si, na defesa de territórios da tribo ou nas primeiras guerras que os portugueses moveram contra invasores estrangeiros. Caso das lutas contra a França Antártica, quando os portugueses foram apoiados pelos temiminós para derrotar os franceses, aliados dos tamoios.
A partir de meados do século XVI, ficava claro que o branco português representava a colonização e era, portanto, o verdadeiro inimigo. A ação dos religiosos, em especial nos grandes aldeamentos (missões), era a distribalização. Já a ação do colono nada mais era do que a expropriação territorial e a escravidão. Para o europeu, o índio tinha significados diferentes: para o jesuíta, era um meio de propagação da fé e de fortalecimento da Igreja Católica; para o colono, ele era a terra e o trabalhador: livre, no extrativismo da Amazônia ou na pecuária, e escravo, nas regiões mais pobres ou nos engenhos, quando se obstruía o tráfico negreiro. Assim, ao indígena não restou outra opção senão a resistência armada e desigual, contra um inimigo que já dominava as armas de fogo.
Alguns momentos dessa luta foram marcados pela proibição da escravidão vermelha. Exemplo disso, foi o ato do papa Paulo III, de 1537, que pela primeira vez declarava ilícita a exploração do trabalho indígena. Seguiram-se outros no mesmo sentido, sempre apoiados pelos jesuítas, e desrespeitados pelos colonos, com as chamadas guerras justas - uma exceção prevista na legislação - em que se atribuía sempre ao índio a primeira agressão. Além da abertura legal, os colonos contavam com as rivalidades entre as tribos, que impediam a formação de alianças contra o inimigo comum.
No século XVIII, o Marquês de Pombal aboliu a escravidão indígena. O decreto de 1755 dava liberdade absoluta ao índio, equiparando-o à mesma condição de um colono, e suprimia o poder dos jesuítas sobre as missões. Contudo, ainda no século XIX, eram decretadas as "guerras justas", prosseguindo, assim, a ação devastadora do branco, dizimando tribos inteiras e destruindo a cultura indígena.
Atualmente, a população de índios brasileiros, agora denominados povos da floresta, está reduzida a menos de 200 mil indivíduos, a maior parte desenraizada e sem identidade cultural.
3 O Antigo Sistema Colonial
1. A Europa e a revolução comercial
A Época Moderna, compreendida entre o final do século XV – Grandes Navegações – e o final do século XVIII, quando ocorrem as Revoluções Burguesas, é o período em que se processa o desenvolvimento da acumulação primitiva de capital na Europa. É ainda um momento de transição, marcado pelo Capitalismo Comercial (onde a acumulação se dá na esfera de circulação de mercadorias), pelo predomínio da burguesia mercantil e pela busca do Estado Absolutista de seu fortalecimento, através da política econômica mercantilista. Os monarcas, em busca de metais, passaram a intervir na economia e valeram-se do próprio Estado, para manter uma balança comercial favorável. Contudo, a acirrada competição entre as nações européias, em busca do mesmo objetivo, poderia inviabilizar a política mercantilista e, portanto, o sonho de uma balança comercial favorável. Esta somente seria possível com a existência de uma reserva de mercado, ou seja, de uma colônia. Daí o estabelecimento do Sistema Colonial, essencialmente mercantil, que garantiu a colonização da América.
2. O sistema colonial mercantilista
Entende-se por sistema colonial, o conjunto de relações de dominação e subordinação envolvendo metrópoles e colônias durante a Época Moderna; essas relações mantidas entre áreas metropolitanas e áreas periféricas eram diretas e exclusivas. Originando-se da expansão marítima e mercantil européia, em meados do século XVI, o sistema colonial mercantilista, também denominado Sistema Colonial Tradicional, estendeu-se até o século XVIII, quando entrou em crise.
A denominação mercantilista ou “tradicional” vincula esse tipo de colonialismo à Revolução Comercial (época da expansão mercantil e de formação do capitalismo) e é usada para diferenciá-lo do neocolonialismo ou Sistema Colonial Industrial, estabelecido pela expansão da industrialização, a partir do século XIX.
As áreas metropolitanas
Eram o centro do Sistema Colonial as metrópoles européias que, independendo da gradação, participaram das navegações e das descobertas - Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda -, disputando e estabelecendo áreas de influência na América, na África e na Ásia. Como centro dinâmico da acumulação capitalista, eram também áreas de emanação das decisões políticas, administrativas, econômicas e outras, constituindo-se, portanto, em pólos de dominação.
As metrópoles asseguravam de forma exclusiva o abastecimento das colônias, fornecendo produtos manufaturados e a mão-de-obra escrava, através da burguesia mercantil, sempre com preços elevados. Por outro lado, garantiam a apropriação de toda a produção colonial, sempre a preços aviltados, revendendo-a, depois, por preços mais elevados no mercado europeu. Além disso, gravava o mundo colonial com tributos (impostos, taxas e contribuições), que , em determinados momentos, tornavam-se excessivos.
As áreas coloniais
Correspondiam à periferia do sistema - porções territoriais da América, África e Ásia, onde se localizavam as colônias e as feitorias. As primeiras, no continente americano, operavam na esfera de produção especializada de gêneros para o mercado. As feitorias - típicas da África e da Ásia - operavam basicamente na esfera das trocas de mercadorias.
As colônias se concentravam na produção especializada de determinados gêneros para o mercado externo, principalmente, de produtos tropicais que não eram encontrados na Europa; da mesma forma, na extração de metais preciosos, atendendo às aspirações metalistas do Estado metropolitano. Assim, as colônias se constituíam em extensões das economias metropolitanas, cumprindo sua função histórica de complementá-la.
As relações metrópole-colônia
Entre as duas áreas constituintes do Sistema Colonial existia um conjunto de relações e regras de normatização que se convencionou chamar de Pacto Colonial. Nesse conjunto destacavam-se o exclusivo, que era o monopólio metropolitano do comércio e navegação coloniais, e o monopólio estatal de determinados produtos coloniais; no caso do Brasil, os estancos do pau-brasil, sal, diamantes e outros.
Sem dúvida nenhuma, o exclusivo ou monopólio do comércio colonial era o seu elemento essencial, portanto, o definidor das relações metrópole-colônia. Por isso, as rígidas regulamentações que orientavam o comércio com as colônias, como o regime de porto único, aplicado por mais de um século entre a Espanha e suas colônias na América.
A produção colonial
As colônias, em especial as localizadas nas áreas tropicais, tinham a função de complementar a economia européia. Por essa razão, concentravam-se na produção em grande escala de alguns gêneros agrícolas, altamente lucrativos, como o açúcar, ou de matérias-primas, como o algodão ou, ainda, de minérios. Isso tomava a produção colonial altamente especializada (para muitos monocultural) e extrovertida, isto é, voltada para os interesses da metrópole.
Na montagem de um sistema produtor na América, os recursos naturais, no caso a terra, eram abundantes. Os capitais, de um modo geral, eram escassos e a mão-de-obra era até abundante em alguns países europeus, como França, Suíça, Inglaterra, por onde vagavam milhões de mendigos. Não havia, contudo, o capital para remunerá-la. A solução para o problema da mão-de-obra foi utilizar na colonização americana as várias formas de trabalho compulsório, como a servidão temporária (indentured servants) nas colônias inglesas da América do Norte, a mita, forma de servidão praticada pelos incas e aproveitada pelos espanhóis na região do Peru. Para países como Portugal e Espanha, onde a mão-de-obra era escassa, a solução foi a utilização da escravidão nas suas colônias, pois com ela era possível uma maior acumulação de capitais, a partir da periferia do sistema.
O escravismo mercantilista
A escravidão africana se constituiu em um dos principais fatores de aceleração da acumulação primitiva de capital. Isso porque o negro escravo vincula-se a um duplo aspecto do sistema escravista moderno: de um lado, como produtor de mercadorias, barateando enormemente o seu custo de produção, e, de outro, como a própria mercadoria. Nesse último aspecto, destaca-se a importância do tráfico negreiro, uma das atividades comerciais mais lucrativas que a burguesia européia desenvolveu durante a Época Moderna.
O trabalhador-mercadoria foi o alimentador do lucrativo comércio triangular, formado pela Europa, África e América, e que enriqueceu as companhias de traficantes portuguesas, holandesas, inglesas e mesmo os grupos mercantis estabelecidos nas colônias.
Na colonização brasileira, o uso do escravo africano foi precedido das experiências portuguesas nas ilhas atlânticas, descobertas na primeira metade do século XV. Entre 1436 e 1441, o comércio regular de escravos africanos garantia o suprimento de mão-de-obra, não apenas para a produção açucareira insular, mas também para os trabalhos no reino. A partir de 1444 foi criada a Companhia de Lagos (depois da Guiné), que passou a ter o monopólio do tráfico negreiro também para a colônia portuguesa na América.
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