segunda-feira

A República no Brasil

REPÚBLICA
Queda do Império, implantação e consolidação da República no Brasil

A queda do Império
A crise do Império brasileiro é explicada, essencial­mente, pela inadequação do regime monárquico às trans­formações processadas na economia e na sociedade, a partir da segunda metade do século XIX. Com efeito, o remanejamento político-administrativo atenderia às necessidades do crescimento econômico do País, bem como aos interesses dos grupos sociais preponderantes. As questões abolicionista e religiosa, agravadas pelas tensões sociais e econômicas, precipitaram a Questão Política. A Questão Militar apresentou-se, num último momento, co­mo o elemento catalisador de todos os problemas, no nível político.
Podemos concluir que a crise fundamental do Império ocorria em nível da base (sócio-econômico); entretanto, o encaminhamento para sua solução se fez na esfera política, conduzindo o País para a forma republicana de governo.

Questão Social: O abolicionismo
Desde o Período Colonial, o escravismo vinha sendo a fórmula adequada para o aproveitamento do imenso território brasileiro. A escravidão moderna foi a forma para o capitalismo se efetivar na periferia do sistema.
No Brasil Imperial, como em toda a América, subsistia o motivo justificativo do trabalho escravo: a predomin­ância da grande propriedade. E, além de sustentáculo da estrutura econômica, o escravismo era também o vín­culo da estrutura social.
Foram os próprios negros, com a formação dos qui­lombos, que pela primeira vez contestaram a escravidão. Nos movimentos emancipacionistas (Inconfidência Mi­neira, Conjuração Baiana e Revolução Pernambucana de 1817) foi cogitada a abolição da escravatura.
A pressão britânica para a suspensão do tráfico ne­greiro, desde o início do século XIX, culminou com o Bill Aberdeen (1845), pelo qual a Inglaterra se arrogava o di­reito de apresar navios negreiros. Esta decisão do Parla­mento britânico, por sua vez, provocou a promulgação da primeira lei restritiva ao tráfico negreiro no II Reinado, a Lei Eusébio de Queirós (1850), complementada pela Lei Nabuco de Araújo (1854).
Como conseqüência da cessação do tráfico, elevou-se o preço dos escravos, intensificando-se o comércio inter­no de negros; paralelamente, apresentou-se a imigração européia como solução para o problema de mão-de-obra.

A Campanha Abolicionista
A abolição tornou-se um imperativo depois da extin­ção do tráfico, não só pelo decréscimo que se registrava na população escrava (em parte devido a suas precárias condições de vida material), mas porque era mais vanta­joso o trabalho livre em virtude de sua maior produtividade e dos menores riscos de investimento. Para a eco­nomia cafeeira, o assalariado, além de atender à contínua expansão dos cafezais, constituía um elemento dinâmico na formação de um mercado de consumo e, portanto, de novas áreas de investimento de capital.
Em 1868, o Partido Liberal assumira, publicamente, o compromisso de bater-se pela emancipação dos escravos.
Os conservadores, então no poder, promulgaram, em 1871, uma lei contemporizadora, a Lei do Ventre Livre, obra do gabinete do Visconde do Rio Branco.
Em 1880, organizam-se no Rio as sociedades aboli­cionistas, posteriormente coordenadas pela "Confedera­ção Abolicionista". Essas sociedades reuniam vultos im­portantes: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, José do Patro­cínio, Luís Gama e André Rebouças.
Em 1884, Ceará e Amazonas antecipam-se, extinguin­do totalmente, em seus territórios, o regime escravista.
Em 1885, mais uma tentativa mistificadora é realiza­da. Promulga-se, nesta data, a Lei Saraiva-Cotegipe (Lei dos Sexagenários), decretando a alforria dos escravos que atingissem a idade de 65 anos.
Multiplica-se a fuga de escravos. O Exército, convo­cado para dar-lhes caça, se recusa a prestar-se "à condição de capitão-do-mato" (representação de Deodoro da Fonseca em 1887).
A solução definitiva já não admitia maiores delongas.
Um levantamento feito da população escrava em 1887 revelava que, num total de cerca de 13.500.000 habitan­tes, havia somente 723.419 escravos.
O gabinete conservador de João Alfredo promoveu, então, a votação da Lei Áurea, sancionada pela Regente Princesa Isabel, a 13 de maio de 1888. A escravidão esta­va extinta no Brasil, mas o Império via definitivamente comprometida suas possibilidades de continuidade.
Com a abolição do escravismo, sem indenização aos proprietários, a aristocracia escravagistas, arruinada, lan­çou sobre a Monarquia a culpa por sua desgraça, passando a engrossar as fileiras do movimento republicano ("Re­publicanos de 13 de Maio"). A marginalização sócia econômica do negro liberto tomou-se um fenômeno nacional já nos fins do século XIX, pois à liberdade jurídica não corresponderam as demais liberdades essenciais à sua integração na sociedade.

A Questão Religiosa
A Constituição Imperial de 1824 preservou um dos mecanismos do Antigo Regime, submetendo a Igreja ao Estado (regalismo). Assim, concedeu ao Governo Impe­rial a faculdade de intervir na criação e preenchimento dos cargos eclesiásticos: o Padroado.
O Imperador exercia também o beneplácito, ou seja, a faculdade de examinar os atos de Santa Sé que, antes de entrar em execução no País, recebiam o placet do Impe­rador.
Por sua vez, a Maçonaria, atuante no Brasil por oca­sião da Independência, assumira um papel mais benefi­cente que político, sendo composta inclusive pelos princi­pais nomes da política imperial. Apesar de condenada pelo Papa, verificava-se no Brasil certa tolerância por parte das autoridades eclesiásticas, pois seus membros eram simultaneamente católicos e maçons.
A Questão Religiosa (ou Epíscopo-Maçônica) pren­de-se a vários incidentes ocorridos entre autoridades ecle­siásticas e membros da Maçonaria, a partir de 1872: puni­ção do Padre Almeida Martins (RJ), por haver pronuncia­do um discurso na Maçonaria; interdição, pelos bispos de Olinda (D. Vital Maria de Oliveira) e Belém (D. Antônio de Macedo Costa), de várias irmandades religiosas, pela não obediência ao disposto pela Encíclica Syllabus do Papa Pio IX, que exigia a eliminação dos elementos per­tencentes à Maçonaria. Note-se, porém, que a Syllabus não recebera o placet do Governo Imperial.
Forte campanha foi iniciada pela imprensa contra a Igreja, tomando-se necessária a intervenção das autorida­des imperiais. Como resultado, foram os bispos de Olinda e Belém condenados a quatro anos de prisão, por influên­cia do Presidente do Conselho de Ministros, Visconde do Rio Branco (Grão-Mestre da Maçonaria). Apesar da anis­tia concedida em 1875, pelo Gabinete Caxias, evidenciou-­se o conflito latente entre a Igreja e o Estado.

As Questões Militares
Até o término da Guerra do Paraguai, o Exército era politicamente ausente do Brasil; porém essa guerra exigiu uma força militar tecnicamente apta e com um quadro de oficiais profissionais, com preparo científico.
O Exército foi dessa sorte, reduzindo a Guarda Na­cional a uma posição inexpressiva. Entretanto, o Exército era mantido numa posição de segundo plano político, de­terminando o descontentamento de muitos oficiais; o principal propagandista contra o governo era Benjamin Constant, oficial e professor da Escola Militar.
Vários fatores concorrem ainda para as questões: a proibição de os militares fazerem pronunciamentos atra­vés da imprensa; a influência do positivismo, propagado entre os militares; e o paisanismo do Imperador.
O espírito de classe manifestou-se vivamente entre os militares, não tolerando que os "casacas" pudessem ofen­der os "homens-de-farda", mesmo quando estes assumis­sem atitudes capazes de suscitar controvérsias.
A primeira questão refere-se ao tenente-coronel Sena Madureira, que se pronuncia pela imprensa, atacando o projeto de reforma do Montepio militar. Foi a partir desse episódio que o Governo proibiu que os militares se mani­festassem pela imprensa.
A segunda questão prende-se à demissão de Sena Ma­dureira do comando da Escola de Tiro de Campo Grande (Rio de Janeiro), pela recepção que dera, naquela entida­de, ao jangadeiro cearense Francisco Nascimento, que evitara o embarque de escravos de Fortaleza para o Sul.
A terceira questão resultou de uma inspeção de rotina no Piauí, onde o coronel Cunha Matos verificara o extra­vio de fardamentos, além de negociatas com soldo das praças, e propusera a remoção do comandante do quartel; acusado de haver agido desonestamente, Cunha Matos de­fendeu-se pela imprensa, o que lhe valeu uma prisão de 48 horas.
A punição provoca enorme mal-estar, recebendo Cunha Matos a solidariedade de inúmeros oficiais de alta patente, inclusive do marechal Deodoro da Fonseca.
Um manifesto em termos enérgicos foi redigido e o Governo Imperial suspendeu as penas impostas.
A progressiva intervenção dos militares nas lides po­líticas caracteriza uma fase de acentuada decomposição do Império, motivada pelo enfraquecimento da base que o sustentava: a aristocracia escravista, profundamente aba­lada pelas campanhas abolicionistas. Aos poucos, surgia a preponderância do "poder militar" sobre o "poder civil".


A Proclamação da República
Durante a segunda metade do século XIX, o Império brasileiro conheceu mudanças na economia e na sociedade. Desenvolvia-se a lavoura do café, principalmente no Oeste Paulista. A exportação de borracha crescia. Es­boçava-se um mercado interno, graças à maior utilização do trabalho assalariado, condicionando um "surto" indus­trial, a partir de 1874. Multiplicavam-se os organismos de crédito, enquanto os transportes se desenvolviam, princi­palmente através das ferrovias.
A população atingia 14 milhões de habitantes após 1880, ocorrendo, na região Centro-Meridional, entre ou­tras, um fenômeno de urbanização.
O centralismo político-administrativo do regime im­perial era incompatível com a nova realidade sócio-econô­mico. A solução seria a implantação de um sistema fede­rativo, capaz de superar as discrepâncias regionais, im­pondo maior autonomia local.
Entre os fatores que levaram à República, assumem um papel de destaque os seguintes: predomínio das novas regiões cafeeiras na economia do País, projetando um novo e forte setor social: os modernos empresários do café, reivindicando o atendimento de seus interesses. O ideal de federação, que se adequava aos anseios dos vários grupos políticos do Brasil, só seria atingido com uma República Federativa. O receio do III Reinado, aliado à queda Napo1eão III na França, e o desprestigio da Monarquia em face das questões Religiosa, Militar e Social completam o quadro dos fatores explicativos do remanejamento institucional ocorrido em 1889.
O movimento republicano iniciou-se em 1870, com a fundação do Clube Republicano e do jornal "A Repú­blica" e o lançamento de um "Manifesto Republicano".
Duas correntes se chocaram no Partido Republicano: a evolucionista (liderada pelos republicanos "históri­cos"), que preferia a via pacífica para conseguir o poder, e a revolucionária (liderada por Silva Jardim), que pregava a revolução popular. A corrente evolucionista predo­minou.
Por outro lado, eram também republicanos jovens oficiais do Exército, influenciados pela doutrina de Auguste Comte (positivismo) e liderados por Benjamin Constant.
O visconde de Ouro Preto, membro do Partido Liberal, foi nomeado Presidente do Conselho em junho de 1889. O novo governo precisava remover os obstáculos representados pelo republicanismo e pelos militares des­contentes. Para vencer o primeiro, apresentou um progra­ma de amplas reformas: liberdade de cultos, autonomia para as províncias, temporariedade dos mandatos dos se­nadores, ampliação do direito de voto e Conselho de Esta­do com funções meramente administrativas.
Acusado tanto de radical como de moderado, o pro­grama foi rejeitado pela Câmara de Deputados. Diante disso, foi ela dissolvida, provocando protestos gerais.
Contra o Exército, Ouro Preto agiu, tentando reorganizar a Guarda Nacional e removendo batalhões suspeitos.
A situação tornou-se tensa. Os republicanos investiga­vam os militares contra o governo.
O golpe de 15 de Novembro resultou da conspiração na qual se uniram republicanos e militares, colocando-s como chefe ostensivo da mesma o marechal Deodoro da Fonseca, não republicano, mas de enorme prestígio no Exército.
A proclamação resultou da conjugação de duas forças: o Exército, descontente, e o setor cafeeiro da economia, pretendendo este eliminar a centralização vigente, através de uma República Federativa, que imporia ao País um sistema favorável a seus interesses. Portanto, a Proclama­ção não significou uma ruptura no processo histórico bra­sileiro: a economia continuou dependente, baseada no setor agroexportàdor; afora o trabalho assalariado, o siste­ma de produção continou o mesmo e os grupos dominan­tes continuaram a sair da camada social dos grandes pro­prietários. Houve apenas uma modernização institucional
A REPÚBLICA VELHA (1889-1930)

"O povo assistiu bestializado à Proclamação da Repú­blica", escreveu o republicano Aristides Lobo, na época do evento. Referia-se ele ao fato de que a República nada mais foi que uma nova composição das classes dominan­tes. O novo regime foi uma transformação de cúpula; a velha aristocracia rural, de mentalidade colonial escravis­ta, era substituída pelo setor empresarial cafeeiro, ansioso por apoderar-se do aparelho do Estado para colocá-lo inteiramente a seu serviço. Era, em suma, a ascensão de um governo burguês oligárquico.
No entanto, a República, rompendo com os quadros antiquados e conservadores do Império, abria novas pers­pectivas mais coerentes com a fase de prosperidade econô­mica em que o País entrara nos últimos anos do século XIX.
Os primeiros tempos da República brasileira, com­preendidos entre 1889 e 1930, receberam a denominação de República Velha ou Primeira República. Esses 41 anos, porém, compreendem duas fases distintas: os cinco anos iniciais, de implantação e consolidação da nova or­dem, são conhecidos como República da Espada; a partir de 1894 até 1930, deu-se a instalação do poder civil, configurando-se durante essa fase a República das Oli­garquias.

1. A República da Espada
A República da Espada correspondeu ao período re­publicano de 1889/94, em que o governo foi exercido su­cessivamente por dois militares. Isso, porém, não significa que as Forças Armadas tenham assumido o controle do País em seu próprio nome. Na verdade, o papel do Exér­cito (com exclusão da Marinha, cuja ação política divergia do primeiro) foi antes o de consolidar as instituições repu­blicanas e criar condições para que as lideranças políticas CIVIS, representantes das classes dominantes, pudessem assumir diretamente o poder.

Governo Provisório de Deodoro (1889-1891)
Instalado logo em seguida à proclamação de 15 de no­vembro, sob a chefia de Manuel Deodoro da Fonseca, o primeiro governo republicano foi marcado por uma série de conflitos, em razão de seus componentes representarem interesses antagônicos. Daí, a demissão coletiva do minis­tério, cujos principais membros tiveram estreitas ligações com a implantação do novo regime. Logo no início do Go­verno Provisório foram publicados os primeiros atos da República, uma série de medidas modernizadoras que in­troduziram importantes mudanças na organização institu­cional do País.

O Encilhamento
O governo republicano herdou do Império uma situa­ção de grande endividamento externo; além disso, os pre­ços do café estavam em baixa. Foi quando Rui Barbosa, o então ministro da Fazenda, procurou implementar uma po­lítica econômica e financeira, responsável pela crise conhecida como Encilhamento. O ministro tinha como obje­tivos o estímulo à produção agrícola e, principalmente, industrial, além da expansão dos negócios. Segundo ele, contudo, o pequeno volume de moeda em circulação era o grande inibidor de qualquer iniciativa econômica, sendo necessária, portanto, a ampliação do meio circulante. Com isso, iniciou-se a emissão desenfreada de papel-moeda por bancos autorizados e o crédito foi facilitado, permitindo-se a fundação indiscriminada de empresas, especialmente das sociedades anônimas cujas ações eram lançadas no mercado.
Com a entrada de um grande volume de dinheiro em circulação, os negócios aumentaram e o País conheceu um momento de euforia. Contudo, boa parte desse dinheiro não foi aplicado na produção, o que traria riquezas e em­pregos, mas sim na especulação de títulos e ações de empresas fantasmas. Como resultado, o País viveu uma verdadeira desordem financeira, com forte desvalorização da moeda e uma inflação acelerada e, por causa dela, uma acentuada elevação dos preços; na época verificou-se também um grande número de falências.
Muitos pequenos bancos quebraram embora os grandes tenham se fortalecido. Como a maioria desses negó­cios era realizada em plena rua, a agitação do local asse­melhava-se à do Jóquei Clube. Isso porque, naquela épo­ca as apostas nas corridas de cavalos eram feitas no mesmo lugar em que os animais eram arreados, ou "encilhados", o que produzia uma grande confusão. Daí o nome Encilhamento dado a essa crise.

A Constituição de 1891
Durante o Governo Provisório, um Congresso Cons­tituinte trabalhou na elaboração da primeira Constituição republicana. Sob a presidência de Prudente de Morais, os deputados constituintes, de uma maneira geral, eram for­temente influenciados pelo modelo norte-americano. Por fim, no dia 24 de fevereiro de 1891, foi promulgada uma nova Constituição do Brasil, confirmando os primeiros decretos do Governo Provisório, como os que instituíram a forma de governo republicana, o sistema presidencialis­ta, a organização federativa do Estado e a extensão do direito de voto a todos os cidadãos.
A Constituição de 1891 estabelecia a tripartição dos poderes. O poder Executivo era exercido pelo presidente da República, eleito pelo voto direto para um mandato de quatro anos (sem direito à reeleição), ou no seu impedi­mento pelo vice-presidente, auxiliados pelos ministros de Estado, nomeados e demitidos livremente pela Presidên­cia. O poder Legislativo passava a ser exercido pelo Con­gresso Nacional, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Os deputados, representantes do po­vo, eram eleitos de forma direta para um mandato de três anos; o número de deputados era proporcional à população de cada unidade da Federação, ou seja, de cada estado. Os senadores, por sua vez, em número de três por estado e três pelo Distrito Federal, seriam eleitos para um mandato de 9 anos, renovando-se um terço a cada três anos. O Judiciário, por sua vez, tinha como órgão principal o Supremo Tribunal Federal, incluindo também outros tribunais e juízes federais.
Ficavam instituídas as eleições diretas em todos os níveis e o voto universal, masculino e a descoberto (ou seja, não-secreto) para os maiores de 21 anos. Não tinham direito de voto as mulheres, os soldados e cabos das Forças Armadas e dos corpos policiais, os analfabetos, os mendigos e os religiosos do clero regular.
As antigas províncias, agora transformadas em esta­dos da União, passavam a ter ampla autonomia política, econômica e administrativa; o Município Neutro do Rio de Janeiro passou a se denominar Distrito Federal. e con­tinuou sendo a capital da República. Ficava estabelecida a liberdade religiosa, com garantia para o exercício de todos os cultos. A Constituição assegurava, ainda, a liberdade, bem como os direitos e garantias individuais, abolindo a pena de morte. Contudo, nos casos de instabilidade polí­tica e social que comprometessem a ordem interna, esses direitos e garantias individuais poderiam ser suspensos temporariamente, com a decretação do estado de sítio.

A primeira eleição presidencial
As "Disposições Transitórias" da Constituição de 1891 determinaram que os primeiros presidente e vice-presidente da República deveriam ser eleitos indiretamente pe­lo Congresso Nacional, para um mandato de quatro anos. Essas eleições, reveladoras dos primeiros choques polí­ticos da República Velha, envolvendo positivistas e repu­blicanos históricos, foram disputadas por duas chapas. A primeira, de Deodoro, tendo como vice o almirante Eduardo Vandenkolk, tinha o amplo apoio dos militares, que aceitavam até a idéia de um golpe para garantir sua vitória. A segunda, correspondendo aos interesses dos políticos civis, em especial dos cafeicultores, surgia como a oposição à eleição do chefe do Governo Provisório, a quem responsabilizavam pela crise do Encilhamento. O seu candidato era o paulista Prudente de Morais, tendo como vice-presidente o marechal Floriano Peixoto, que, além de liderar a jovem oficialidade do Exército, tinha amplo apoio do setor cafeeiro.
Com isso, o setor cafeeiro procurava enfraquecer Deodoro, além de provocar a cisão do bloco militar. Na eleição, Deodoro derrotou Prudente, mas Vandenkolk per­deu para Floriano, cuja votação superou a do próprio presidente eleito. Isso porque, conforme previa a Cons­tituição, o voto não era vinculado.

Governo Constitucional de Deodoro (1891)
O governo de Deodoro, autoritário e com tendências centralizadoras, sempre esteve em crise: não tinha o apoio da maioria do Congresso Nacional, sofria forte oposição do PRP (Partido Republicano Paulista, representante dos cafeicultores) e era atacado por setores militares ligados a Floriano; além disso, foi acusado de envolvimento em corrupção ao favorecer amigos pessoais, como por exemplo, a construção de um porto na cidade de Torres, no Rio Grande do Sul.
Nesse passo, o Congresso votou o projeto da Lei das Responsabilidades do Presidente da República, tornando possível o impeachment de Deodoro. Este, por sua vez, vetou o projeto e, sabendo que o Congresso poderia der­rubar o seu veto e promulgar a Lei, deu um golpe de Estado: fechou o Congresso e decretou estado de sítio.
Deodoro pretendia implantar uma ditadura e, embora contasse com o apoio dos presidentes dos Estados da União (exceto o do Pará) e de alguns setores do Exército, não conseguiu concretizar o seu intento. Contra ele levan­taram-se numerosos políticos, articulando a oposição nos estados, e os militares se dividiram; os florianistas posicio­naram-se contra o presidente e o almirante Custódio de Melo sublevou a Marinha, apoiado pelo almirante Vandenkolk, e ameaçou bombardear o Rio de Janeiro.
Para evitar uma guerra civil, Deodoro renunciou à Presidência em 23 de novembro, sendo substituído interi­namente por Floriano Peixoto, o vice-presidente.

Governo de Floriano Peixoto (1891-1894)
O marechal Floriano Peixoto assumiu o governo com a convicção de que só pela força conseguiria estabelecer a ordem na República. Por essa razão, foi apelidado de Marechal de Ferro.
O Congresso Nacional foi reaberto e os chefes de go­vernos estaduais que haviam apoiado o fracassado golpe de Deodoro foram demitidos. Mesmo apoiado pelos repu­blicanos civis, principalmente do PRP e por amplos se­tores do Exército e da Marinha, que apoiavam a perma­nência do vice-presidente à frente do governo até com­pletar o mandato de Deodoro, o governo de Floriano foi considerado ilegal; o artigo 42 da Constituição determi­nava que, caso o presidente da República não chegasse a completar metade do seu mandato, o vice-presidente assu­miria e, em noventa dias, deveria convocar novas eleições presidenciais. Floriano não acatou as determinações desse artigo e, decidido a continuar na Presidência, valeu-se das "Disposições Transitórias" da Constituição, que fixavam em quatro anos os mandatos dos primeiros presidente e vice-presidente, eleitos indiretamente; com isso, provocou o crescimento de uma acirrada oposição, envolvendo grupos civis e militares deodoristas.
O antiflorianismo ganhou amplo espaço durante todo o ano de 1892. Várias unidades do Exército e da Marinha revoltaram-se contra o governo tido como ilegítimo; al­guns generais e almirantes publicaram um manifesto (Ma­nifesto dos 13 Generais), exigindo do marechal a reali­zação imediata de novas eleições presidenciais. Foram reformados, isto é, aposentados, presos e deportados para a Amazônia. Além disso, Floriano enfrentaria e reprimiria com violência a Revolução Federalista do Rio Grande do Sul e a Revolta da Armada no Rio de Janeiro.

A Revolução Federalista
Entre 1893 e 1895 a Região Sul do Brasil transfor­mou-se em palco de uma violenta guerra civil. O conflito começou no Rio Grande do Sul, onde dois grupos oligár­quicos disputavam o controle político, alcançando as re­giões de Santa Catarina e Paraná. Essa foi a mais san­grenta revolta da República, devido à brutal repressão go­vernista, fuzilando inúmeros adversários sem julgamento.
No Rio Grande do Sul, os federalistas, organizados no Partido Republicano Federalista (PRF) e liderados por Gaspar Silveira Martins e Gumercindo Saraiva, opunham-se ao domínio político dos castilhistas, grupo republicano chefiado por Júlio de Castilhos, sobre a política do Estado. Acusados de serem pactários com a monarquia, os ma­ragatos (outra denominação dos federalistas) defendiam um poder central forte e a adoção do parlamentarismo e chegaram a estabelecer um governo em Bagé.
Os castilhistas, por sua vez, também conhecidos como pica-paus, controlavam a política rio-grandense com base em uma Constituição de caráter positivista, a única do País que previa a reeleição do presidente do Estado para o período seguinte, e perseguiam violentamente os adversá­rios maragatos. O apoio do presidente aos castilhistas fez com que a oposição se tomasse francamente antiflorianista. Daí a ferocidade da ação do governo na sua sufocação.

A Revolta da Armada
A partir de novembro de 1891, várias foram as sublevações envolvendo a Marinha: primeiro contra a tentativa de golpe de Deodoro e, depois, em oposição ao conti­nuísmo de Floriano, numa ampla ação dos deodoristas, como é o caso da revolta do encouraçado Primeiro de Março.
Em 1893, o almirante Custódio José de Melo, senador da República e ex-ministro da Marinha, rompeu com o governo Floriano, declarando-o ilegítimo, e deu início à Revolta da Armada. As motivações dessa revolta, entre­tanto, podem ser explicadas a partir da rivalidade entre a Marinha (Armada) e o Exército, da marginalização daquela no bloco de poder do novo regime, da ação dos florianistas, que viam na Armada a única força capaz de der­rubar Floriano, e da própria candidatura frustrada de Cus­tódio de Melo à sucessão presidencial.
Com a eclosão do movimento na capital da República, navios de guerra sob domínio dos rebeldes trocaram tiros com as fortalezas da Baía de Guanabara e chegaram a fazer ameaças, mais uma vez, de bombardear a cidade do Rio de Janeiro. Como o seu antiflorianismo coincidia com o da Revolução Federalista, no Sul, os dois movimentos acabaram fundindo-se, chegando a se fortalecer com a adesão do almirante Saldanha da Gama, chefe da Escola Naval. Como o levante maragato, a Revolta da Armada foi violentamente sufocada pelas forças florianistas.
Depois de governar a ferro e fogo por três anos, enfrentando e reprimindo com violência as reações ao seu mandato, Floriano conseguiu consolidar o novo regime, criando condições para que os civis assumissem o poder. Com a eleição de Prudente de Morais, em 1894, encerrou-­se a República da Espada e teve início o segundo e mais importante período da República Velha: a República das Oligarquias.

2. A República das Oligarquias (1894-1930)
A República das Oligarquias recebeu essa denomina­ção porque baseou toda sua ação político-administrativa na existência das oligarquias estaduais. Estas eram defi­nidas como grupos bastante fechados, constituídos por elementos das classes dominantes (latifundiários e alta burguesia, com predominância dos primeiros), e que exer­ciam o monopólio da política em seus Estados. Natural­mente, as oligarquias mais poderosas, como a paulista e a mineira, tinham uma influência decisiva no cenário políti­co nacional. Não obstante, cada unidade da Federação se encontrava sob o férreo controle de sua própria oligarquia. Assim sendo, o período que vai da posse de Prudente de Morais à Revolução de 1930 caracterizou-se pela defesa dos interesses desses grupos minoritários, com predomínio da oligarquia cafeeira, instituindo-se para isso um verdadeiro esquema oligárquico do qual faziam parte a Política dos Governadores, a Política do Café­-com-Leite e o Coronelismo, entre outros. Mesmo com choques e cisões dentro das próprias oligarquias, como durante o governo Hermes da Fonseca ou na sucessão de Epitácio Pessoa, em nenhum momento, porém, a classe média - e muito menos as camadas inferiores da população - teve qualquer participação no processo político-administrativo desse esquema de minorias, apesar da existência do sufrágio universal masculino.

A Política dos Governadores
Delineada por Prudente de Morais e oficializada por Campos Sales, em 1900, a Política dos Governadores era um compromisso firmado entre o Governo Federal e os governos estaduais, representados por grupos oligárquicos regionais. Esses grupos passavam a gozar de ampla auto­nomia, contando com todo o apoio do presidente da Repú­blica, sendo reconhecidos como seus únicos parceiros. Em troca, dariam total apoio ao Governo Federal; assim, os deputados federais e senadores, eleitos pelas oligarquias estaduais, não opunham nenhum embaraço à política presidencial no plano nacional.
Com isso, somente seriam empossados os parlamen­tares eleitos pelo grupo situacionista de cada Estado. Os candidatos das oposições que se elegessem seriam siste­maticamente cortados das listas de votação pela própria Comissão Verificadora dos Poderes do Congresso Nacio­nal. Na época, dizia-se que esses candidatos eram dego­lados, pois não chegavam a assumir seus cargos. Essa po­lítica garantiu a supremacia do Executivo Federal sobre o Legislativo e, simultaneamente, consolidou o poder local das oligarquias estaduais.

O coronelismo
Constituía a base do sistema oligárquico e estava as­sentado na atuação dos chefes políticos locais, os coronéis. Estes eram geralmente grandes proprietários rurais e, na sua maioria, possuidores do posto de coronel da antiga e tradicional Guarda Nacional. Controlando verdadeiros cercados ou currais eleitorais, garantiam a vitória dos candidatos de seu grupo através do voto de cabresto, nu­ma relação de clientelismo político (troca de favores) com seu eleitorado.
O coronelismo foi possível graças à coexistência do voto universal aberto com uma estrutura socioeconômica de dominação arcaica fundada na ordem latifundiária, cujas raízes podem ser encontradas nos tempos coloniais.

A Política do Café-com-Leite
Definida no governo Campos Sales e testada pela pri­meira vez na eleição de Rodrigues Alves (1902), consistiu na aliança política entre São Paulo e Minas Gerais, vi­sando ao controle da sucessão presidencial. Tinha como base o poder econômico desses dois Estados, conjugados com a união dos interesses de seus representantes polí­ticos.
Afinal, São Paulo e Minas Gerais, ligados respectiva­mente à cafeicultura e à pecuária, sendo o segundo tam­bém um estado cafeeiro, além da grande força econômica alicerçada na importância do café, que era o principal pro­duto das exportações brasileiras, tinham também maior re­presentatividade, porque, sendo mais populosos, possuíam maior número de deputados na Câmara Federal. Daí, a he­gemonia do setor cafeeiro durante a República Velha.
Isso permitiu que o mais importante setor da econo­mia brasileira garantisse o seu nível de renda, assumindo o controle da política econômica do governo através da Polí­tica de Valorização do Café, com a socialização das per­das.

A Política de Valorização do Café
Ao iniciar-se a República, o setor cafeeiro enfrentava graves problemas. De um lado, as crises do mercado inter­nacional e de outro, a superprodução. Nos dois casos, os preços do café tendiam a cair, diminuindo, assim, os lucros dos cafeicultores. Como o setor cafeeiro controlava a po­lítica da República Velha, os produtores procuraram ga­rantir-se através da Política de Valorização do Café.
A valorização do café, em que o governo federal as­sumia diretamente a proteção dos interesses dos cafei­cultores, dava-se através da compra ou da retenção dos excedentes de sua produção, o que mantinha, artificial­mente, os preços do produto. Isso se dava através das sucessivas desvalorizações da moeda, da contração de em­préstimos externos e das emissões constantes. Essas prá­ticas que marcaram os governos de Rodrigues Alves, Afonso Pena e Venceslau Brás, entre outros, foram em grande parte responsáveis pela instabilidade econômico-­financeira assinalada durante a Primeira República brasi­leira.

Sistema eleitoral fraudulento
Completava o sistema oligárquico um sistema político-eleitoral viciado. Isso porque, além do total desliga­mento entre o eleitorado e os políticos, o voto a descoberto e a inexistência da Justiça Eleitoral permitiam que as oli­garquias praticassem todo tipo de fraudes, para assegurar a vitória de seus candidatos.
De uma maneira geral, a máquina eleitoral governista - fosse ela federal, estadual ou municipal - era sempre acionada, garantindo os resultados, sempre favoráveis, em quaisquer eleições. Assim, voto de cabresto, currais elei­torais ou eleições de bico-de-pena eram expressões co­muns na política da época.

3. A sucessão presidencial
Prudente de Morais (1894-1898)
Eleito pelo voto direto em 1894, foi o primeiro presidente civil da República Velha. Denominado o "Pacificador da República", con­cedeu anistia aos envolvidos nas revoltas ocorridas contra o gover­no de Floriano Peixoto. Contudo, o seu governo conheceu forte oposição dos florianistas, respon­sáveis por vários levantes e agita­ções.
O principal acontecimento de seu quadriênio foi a Campanha de Canudos desenvolvida entre 1896 e 1897, no interior da Bahia. As condições de miséria do sertão nordestino acabaram por dar origem a um movimento de sertanejos caracterizado pelo messianismo e pelo fanatismo, tendo como líder o beato Antônio Conselheiro, fundador do arraial de Canudos, às margens do rio Vaza-Barris. Um incidente envolvendo moradores do arraial e forças policiais deu início a sucessivas expedições, inclusive com tropas federais, que acabaram por destruir Canudos, sempre referido na imprensa como uma revolta monarquista.
No plano econômico-financeiro a situação era grave: os preços do café estavam em queda, o déficit orçamentá­rio crescia com os gastos militares, o balanço de paga­mentos também era deficitário, agravado pelos emprés­timos externos, o câmbio estava em baixa e a inflação des­controlada. Diante disso, Campos Sales (já eleito presi­dente) procurou renegociar a dívida externa brasileira com os credores estrangeiros, obtendo destes um acordo chamado Funding Loan. Por ele, o Brasil obteve uma mo­ratória (os pagamentos das dívidas foram suspensos por 13 anos) e um empréstimo de 10 milhões de libras, garantido pelas rendas da Alfândega do Rio de Janeiro, compro­metendo-se a não contrair novos empréstimos e a recolher parte do seu meio circulante.
Ao final do seu governo (5/11/1897) o Presidente so­freu um atentado, planejado por florianistas. O episódio, que resultou na morte do marechal Machado Bittencourt, ministro da Guerra, foi repudiado pela opinião pública, granjeando-lhe apoio popular. Ensejava-se, assim, a con­solidação do poder civil.

Campos Sales (1898-1902)
Mesmo antes de ser eleito, na condição de ministro da Fazenda do governo anterior, foi o res­ponsável pelas negociações com os credores externos que resulta­riam no Funding Loan. No seu mandato, Joaquim Murtinho, ministro da Fazenda, iniciou o saneamento financeiro da Re­pública, encetando uma política deflacionista, visando ao equilíbrio orçamentário e à valorização da moeda. Para isso empregou medidas austeras destinadas a aumentar a receita, destacando-se entre elas a maior incidência do imposto de consumo, o aumento dos impostos aduaneiros e da taxa-ouro sobre importações, redução das despesas governamentais e limitação do crédito.
Em conseqüência disso, o orçamento passou a apre­sentar superávit, o câmbio elevou-se, valorizando a moe­da, e acumulou-se ouro nos depósitos brasileiros em Lon­dres. O crédito externo também foi recuperado e a balança comercial apresentou saldo favorável, devido à menor im­portação. Em contrapartida, as atividades produtivas inter­nas foram prejudicadas e o poder aquisitivo da população sofreu acentuada redução.
No plano político, criou a Política dos Governadores e a Política do Café-com-Leite, assegurando o domínio político das oligarquias estaduais e o controle da nação pela oligarquia cafeeira.

Rodrigues Alves (1902-1906)
Seu governo é conhecido como Quadriênio Progressista, devi­do à excelente administração que realizou, remodelando os portos, ampliando a rede ferroviária e desenvolvendo obras de urbani­zação e modernização da cidade do Rio de Janeiro, em que se des­tacou a atuação do prefeito Pe­reira Passos.
Nessas realizações foram utili­zados recursos originários da política financeira desen­volvida na gestão anterior e do aumento das exportações de café e da borracha. O grande destaque do período foi a Campanha de Saneamento no Rio de Janeiro, dirigida por Osvaldo Cruz, e que visava à eliminação da febre amarela e outras doenças. Nesse processo, a imposição da vacinação obrigatória contra a varíola provocou descon­tentamento popular; disso se aproveitaram os militares e políticos da oposição ao governo, fazendo eclodir a Revolta da Vacina (1904), sob a liderança do senador Lauro Sodré, rapidamente dominada pelas forças legalistas.
Ainda no seu quadriênio foi assinado o Convênio de Taubaté (no qual o presidente, aliás, não teve participação direta), a primeira medida intervencionista em favor da manutenção dos preços internacionais do café, pela com­pra e estocagem dos excedentes da produção. Os Estados signatários do convênio (SP, MG e RJ) tiveram de recorrer a empréstimos externos, o que contrariava a austeridade deflacionária do governo Rodrigues Alves.

Afonso Pena (1906-1909)
Foi o primeiro mineiro a exer­cer a Presidência da República, dentro da alternância da Política do Café-com-Leite. Adotando o lema "Governar é povoar", Afonso Pena foi um estimulador da imigração; em 1908, chega­ram ao Brasil os primeiros imi­grantes japoneses.
Sua gestão foi marcada por atritos com o Morro da Graça, um importante grupo de políticos do Congresso Nacional, liderado pelo senador gaúcho Pinheiro Machado, onde nem mesmo a atuação da bancada governista liderada pelo deputado Carlos Peixoto Filho, denominada pelos primei­ros de Jardim da Infância, conseguiu evitar o seu des­gaste.
No âmbito econômico e financeiro, promoveu a pri­meira valorização do café, criando em 1907 a Caixa de Conversão; esta recebia toda a moeda estrangeira, tro­cando-a por bilhetes conversíveis mantidos a um câmbio baixo. Este instrumento favorecia o setor cafeeiro, pois possibilitava a percepção de um maior volume de dinheiro brasileiro, e, indiretamente, os industriais, graças ao enca­recimento das importações.
Faleceu em 1909, tendo sido o seu quadriênio termi­nado por Nilo Peçanha, então vice-presidente da Repúbli­ca.

Nilo Peçanha (1909-1910)
Apesar da brevidade de seu período administrativo, Nilo Pe­çanha tomou duas iniciativas im­portantes, criando o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) por su­gestão do tenente-coronel Cân­dido Rondon, que foi o primeiro diretor da entidade, e restabele­cendo o antigo Ministério da Agricultura, Indústria e Comér­cio, que fora extinto por Floriano Peixoto.
Ao final do seu governo, ocorreu a primeira eleição competitiva da República Velha, resultante da primeira ruptura do Café-com-Leite. Nesse pleito concorreram o marechal Hermes da Fonseca, apoiado por Minas Gerais, pelos velhos políticos capitaneados por Pinheiro Machado, o coronel dos coronéis, e pelo próprio presidente, e Rui Barbosa, candidato da oposição que congregava os Estados de São Paulo e da Bahia. Nessa eleição, Rui realizou a Campanha Civilista, na qual defendia a reforma eleitoral com o voto secreto, a necessidade de um Código Civil e a revisão constitucional. Apesar da boa votação, foi derrotado pelo candidato governista.

Marechal Hermes da Fonseca (1910-1914)
Eleito com 403.867 votos con­tra os 222.822 de Rui Barbosa, seu governo foi conturbado, com as constantes decretações de es­tado de sítio.
Numa tentativa de rompimento da Política dos Governadores, promoveu a intervenção federal em Estados da Federação, derru­bando os grupos oligárquicos ad­versários, através da Política das Salvações: as velhas oligarquias foram substituídas por outras, inicialmente sob comando do gaúcho Pinheiro Machado, fundador do Partido Republicano Conservador, criado por este para dar sustentação à sua administração.
O fracasso das "salvações", levado a efeito pelo Go­verno Federal, ficou patente com a eclosão de movimentos de rebeldia contra a nova política presidencial. Entre eles, destacou-se a Revolta do Juazeiro, liderada pelo padre Cícero Romão Batista, responsável pela deposição dos grupos hermistas que controlavam o Ceará e pela recon­dução ao poder da velha oligarquia dos Accioli.
Em novembro de 1910, eclodiu a Revolta da Chiba­ta, sob o comando do marinheiro João Cândido, o "almi­rante negro". Os marinheiros dos encouraçados "Minas Gerais" e "São Paulo", os mais modernos da Armada bra­sileira, rebelaram-se contra os maus-tratos, o excesso de trabalho e contra a chibata, que ainda era usada para punir infratores. A rebelião foi reprimida, mas vários oficiais foram assassinados durante o episódio.
No quadriênio Hermes da Fonseca, devem ser regis­tradas ainda a queda nas exportações de café e borracha, levando o país a uma crise econômica, e uma nova renegociação da dívida externa: o segundo Funding Loan.

Venceslau Brás (1914-1918)
Com a reconciliação de São Paulo e Minas Gerais, selada com o Pacto de Ouro Fino, o mineiro Venceslau Brás foi mais um pre­sidente eleito pelo Café-com-Lei­te; sem o apoio esperado, Rui Barbosa, mais uma vez encabe­çando a chapa de oposição, reti­rou sua candidatura.
Em seu quadriênio, marcado em toda sua duração pela Primeira Guerra Mundial (na qual tivemos uma pequena participação ao lado dos Aliados), aumentaram as exportações de matérias-primas e alimentos e ocorreu um surto indus­trial. O conflito propiciou excelentes negócios, pois os Aliados compravam do Brasil tudo o que pudesse ser vendido. Por outro lado, a inibição das importações permi­tiu a criação de novas indústrias, estimulando a produção nacional, acumulando capitais e especializando um nume­roso contingente de operários. O aumento da importância do operariado urbano fez com que eclodissem sucessivas greves, como a de 1917, quando a cidade de São Paulo ficou quase totalmente paralisada.
Seu governo também foi sacudido pela Guerra do Contestado, ao lado da Campanha de Canudos, um dos mais importantes movimentos sociais da República. O problema reportava-se à região limítrofe dos estados do Paraná e Santa Catarina, disputada por ambos. Em 1912, a construção de uma via férrea na região, desalojando mi­lhares de posseiros, deflagrou um movimento de fundo messiânico, caracterizado pelo fanatismo religioso. Vi­vendo no abandono e oprimida pela miséria, a população sertaneja, liderada pelo "monge" João Maria, opôs forte resistência às forças federais. Em 1915, uma divisão de 6 mil soldados, sob o comando do general Setembrino de Carvalho, sufocou duramente o movimento; o litígio entre Paraná e Santa Catarina, contudo, só foi resolvido em 1916.

Delfim Moreira (1919)
Era o vice-presidente de Rodri­gues Alves, candidato vitorioso na sucessão a Venceslau Brás. Embora eleito presidente pela se­gunda vez, Rodrigues Alves, víti­ma da gripe espanhola, faleceu antes de tomar posse.
Cumprindo o disposto pelo ar­tigo 42 da Constituição de 1891, Delfim Moreira governou apenas alguns meses e convocou novas eleições.

Epitácio Pessoa (1919-1922)
Nas eleições de 1919, a oposi­ção do Rio Grande do Sul a qual­quer candidatura paulista ou mi­neira, bem como à chapa enca­beçada por Rui Barbosa para a qual se inclinava o Café-com­-leite, influiu na indicação do paraibano Epitácio Pessoa, que gozava de grande prestígio por sua participação na Conferência de Paz de Paris, após a Primeira Grande Guerra.
Com o objetivo de afastar os militares da vida política do país, o presidente colocou civis nas pastas militares: para os ministérios da Guerra e da Marinha, foram nomea­dos, respectivamente, Pandiá Calógeras e Raul Soares.
Sua política econômico-financeira no início foi aus­tera, com restrições às despesas, às emissões e ao setor cafeeiro. Depois, porém, com a queda das exportações mudou a orientação: contraiu empréstimos, emitiu papel ­moeda e criou a Carteira de Redescontos, favorecendo mais uma vez o setor cafeeiro.
No final do seu governo, a oposição dos militares, a insatisfação contra o sistema político e a desmoralização da República Velha provocaram o surgimento do Mo­vimento Tenentista, que apareceria pela primeira vez co­mo manifestação armada no Levante do Forte de Co­pacabana (Os 18 do Forte), em 5 de julho de 1922. A revolta dos tenentes, parte dos conflitos entre o governo e o setor militar, está relacionada ao episódio das Cartas Falsas, cujo conteúdo eram ofensivas ao Exército e que, supostamente, teriam sido escritas por Artur Bernardes, já eleito presidente na sucessão de Epitácio Pessoa.

Artur Bernardes (1922-1926)
Em 1921, São Paulo já chan­celara a candidatura de Artur Bernardes, presidente de Minas Gerais, dentro do velho sistema de alternância entre os dois esta­dos. Contra o candidato gover­nista organizaram-se as forças oposicionistas da Reação Repu­blicana, tendo como candidato o ex-presidente Nilo Peçanha.
O novo presidente recebia, contudo, um país em crise, ameaçado pelas constantes rebeliões, em virtude das agitações militares e pelos primeiros efeitos da crise eco­nômica aberta com o fim da Grande Guerra. Assim sendo, seu governo foi marcado pela decretação e constante renovação do estado de sítio.
Em São Paulo, os tenentes se sublevaram na Revolu­ção de 1924, sob o comando de Isidoro Dias Lopes e dos irmãos Juarez e Joaquim Távora, chegando a ocupar a capital do Estado. No Rio Grande do Sul, a partir de 1924 a Coluna Prestes iniciou uma longa marcha pelo interior do País, que duraria até 1927, em permanente luta contra as força leais ao governo.
Antes desses levantes, no Rio Grande do Sul os antigos ma­ragatos, agora organizados no Partido Libertador e chefiado por Assis Brasil, revoltaram-se contra a quinta reeleição de Bor­ges de Medeiros para o governo estadual. A ampliação do confli­to foi evitada com a mediação do general Setembrino de Car­valho. Em 1923, foi firmado o Acordo de Pedras Altas, permitindo a reforma da Constitui­ção gaúcha, da qual era suprimida a reeleição do chefe de Executivo.
Em 1926, foi aprovada a reforma da Constituição Fe­deral, estabelecendo a limitação do habeas-corpus, o veto parcial do presidente e ampliando os limites de interven­ção nos Estados, fortalecendo, assim, o poder do Execu­tivo Federal.
Com relação à economia, transferiu o problema do ca­fé para os Estados, criando, por exemplo, o Instituto do Café do Estado de São Paulo.

Washington Luís (1926-1930)
Foi o último presidente da Re­pública Velha e o seu lema era "Governar é abrir estradas".
Embora nascido no Estado do Rio de Janeiro, Washington Luís fizera sua carreira política no Partido Republicano Paulista (PRP) e, ao contrário de Artur Ber­nardes, que vivera fechado no Palácio do Catete, tomou-se po­pular depois que assumiu a Pre­sidência, passeando a pé pela Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Conciliador suspendeu o estado de sítio, mas não decretou a anistia, embora tenha dado liberdade a presos civis e militares, desde os governos anteriores. Ence­tou uma cerrada perseguição a forças de esquerda, nuclea­das pelos comunistas, provocando uma frente de oposição que se batia pela anistia e pela liberdade de pensamento. Como represália, promulgou a Lei Celerada de 1927, que se tomou um eficiente instrumento de repressão do gover­no.
No terreno das finanças, desenvolveu uma política visando ao equilíbrio monetário e cambial. Para tanto criou uma Caixa de Estabilização (1926), que emitia papel moeda de acordo com empréstimos externos ou entradas de ouro.
Seu governo foi marcado pela Crise de 1929, que ­obrigou o setor cafeeiro a pedir auxílio ao governo federal recusado por este, a fim de não prejudicar sua política de estabilização.
Ao definir sua sucessão na Presidência da República, regime rompeu com a Política do Café-com-Leite e enfrentou as forças oposicionistas que passaram a formar a Aliança Liberal, a qual lançou a candidatura da chapa Getúlio Vargas e João Pessoa. No seu governo deu-se ainda a quebra da Política dos Governadores, jogando por terra o esquema oligárquico.
Foi deposto pela Revolução de 1930, a qual pôs fim à República Velha.

4. A política externa da República Velha
Durante a República Velha, a diplo­macia brasileira foi marcada por três ten­dências gerais. O eixo diplomático deslo­cou-se de Londres para Washington; os diplomatas brasileiros demarcaram, com êxito, as controvertidas e vagas fronteiras do país e o Brasil começou a representar um papel mais ativo nos assuntos do hemisfério e do mundo.
O grande responsável por tais mudanças foi o ministro das Relações Externas José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco. Podemos dizer que o período de sua gestão diplomática, entre 1902 e 1912, representa o momento decisivo das relações exteriores da República Velha.

Reconhecimento da República
O primeiro país a reconhecer o novo regime foi à Argentina, apenas quatro dias depois da Proclamação. Na. Europa, entretanto, os países retardaram o reconhecimento da República, à espera de que fossem realizadas as eleições para o Congresso Constituinte. Com a promulgação da Constituição de 1891, as nações européias reconheceram o novo governo brasileiro, tendo sido a França o primeiro país a fazê-lo. A última nação a aceitar o regime republicano foi a Rússia, que só o fez após a morte de D. Pedro II, ocorrida em 1891.

Rompimento com Portugal
Durante a Revolta da Armada - março de 1894 -, Sal­danha da Gama asilou-se com seus oficiais e marinheiros a bordo de duas corvetas portuguesas. Como o governo português negou-se a entregar os revoltosos para julgamento e como as embarcações lusas rumaram para o Rio da Prata, Floriano rompeu as relações diplomáticas com Portugal. As relações só foram restabelecidas no ano seguinte, já no governo de Prudente de Morais.


As relações Brasil-Estados Unidos
Nas últimas décadas do século XIX, estreitaram-se as relações entre Brasil e Estados Unidos. Os norte-ameri­canos tomaram-se nossos maiores compradores de café, borracha e cacau. Em 1912, por exemplo, os Estados Uni­dos compravam 36% das exportações do Brasil, ao passo que a Grã-Bretanha adquiria apenas 15%, situando-se em segundo lugar.
Em 1915, o National City Bank de Nova York fun­dou duas agências no Brasil. No mesmo ano, instalava-se no Rio de Janeiro a primeira Câmara de Comércio Norte-­Americana para o Brasil.
Os investimentos norte-americanos aumentaram con­sideravelmente a partir da Grande Guerra, ao mesmo tem­po em que declinava a preponderância econômica e diplo­mática da Grã-Bretanha.
Na primeira década do século XX o Brasil vendeu aos Estados Unidos quatro vezes mais do que comprou, for­mando-se aos poucos, no Rio de Janeiro, um excedente de dólares que permitiu a aquisição de produtos europeus. Todavia, a ligação cada vez maior com o mercado norte­-americano aumentou ainda mais a dependência do Brasil em relação àquela nação.

As Questões Limites
O Brasil Republicano herdou da Monarquia várias questões de fronteiras, algumas com suas origens na Épo­ca Colonial. Todas foram solucionadas mediante acordos diplomáticos, havendo na maioria delas arbitramento in­ternacional. O principal representante brasileiro nessas questões foi o Barão do Rio Branco.

A Questão de Palmas ou das Missões
O problema, que remontava aos tempos coloniais, era um ponto de atrito entre o Brasil e a Argentina, que dis­putavam a posição de primeira potência da América do Sul. Os argentinos afirmavam que sua fronteira com o Brasil eram os rios Iguaçu e Chapecó e reivindicavam a posse da região de Palmas, uma área de aproximadamente 30 mil quilômetros quadrados localizada entre os Estados do Paraná e Santa Catarina.
A questão foi resolvida pelo arbitramento do presiden­te norte-americano, Grover Cleveland, favorável ao Bra­sil, cuja defesa esteve a cargo do Barão do Rio Branco. De acordo com o laudo arbitral, os limites seriam determi­nados pelos rios Pepiri-Guaçu e Santo Antônio, o que assegurou ao Brasil a manutenção do território de Palmas ou das Missões.

A Questão do Amapá
Em 1895 surgiram constantes conflitos entre brasilei­ros e franceses, habitantes da região fronteiriça entre o Brasil e a Guiana Francesa. Isso porque, desde meados do século XIX, a França recusava-se a reconhecer o rio Oia­poque como limite entre o Amapá e a Guiana. Resolveu­-se a questão mediante o arbitramento do presidente do Conselho Federal Suíço.
Mais uma vez defendeu os direitos do Brasil o Barão do Rio Branco. Sua argumentação (apresentada nas "Memórias"), fartamente acompanhada de mapas e docu­mentos, convenceu o presidente suíço Walter Hauser, em 1900, da legitimidade de nossos direitos. A sentença reconhecia o rio Oiapoque como o limite tradicional com a possessão francesa, garantindo ao Brasil a soberania sobre uma área aproximada de 260.000 quilômetros quadrados, no atual Amapá.

A Questão da Ilha da Trindade
Em 1895, a Inglaterra, alegando que a Ilha da Trin­dade, ao largo da costa do Espírito Santo, estava deso­cupada havia mais de um século, resolveu ocupá-la. O Brasil protestou logo que teve conhecimento do fato, mas recusou-se a resolver o assunto por arbitramento, dado a legitimidade de seus títulos; aceitou, entretanto, a media­ção oferecida por D. Carlos I, rei de Portugal, país onde existiam documentos comprobatórios do descobrimento e posse da Trindade pelos portugueses.
Os direitos brasileiros foram defendidos em Londres pelo ministro João Artur de Sousa Correia e pelo represen­tante português, Marquês de Soveral. No ano seguinte, a Inglaterra retirou os marcos de sua efêmera ocupação da Ilha da Trindade.

A Questão do Pirara
A disputa pela região do Pirara - nome dado ao pe­queno afluente do rio Maú - arrastava-se desde o início do século XIX, quando a Inglaterra ocupou a região frontei­riça com a Guiana Inglesa.
Com o advento da República, o caso foi submetido ao arbitramento do rei da Itália, Vitor Emanuel m. Apesar da argumentação de Joaquim Nabuco, o soberano italiano favoreceu os ingleses; a região foi dividida, em 1904, entre o Brasil e a Guiana Inglesa, que ganhou uma saída fluvial para o Amazonas.

A Questão do Acre
A região ocupada por seringueiros brasileiros legal­mente pertencia à Bolívia, de acordo com os Tratados de 1777 e 1867. A questão apresentava-se extremamente deli­cada, pois se a Bolívia tinha a posse legal daquele terri­tório, a região rica em borracha era essencial para o Brasil.
Em 1902, a Bolívia tentou expulsar os brasileiros da região. Estes resistiram e, sob a chefia de Plácido de Cas­tro, proclamaram o Estado Independente do Acre, com a intenção de anexá-lo posteriormente ao Brasil. Diante do conflito iminente, o Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores, deu início às negociações que resultaram no Tratado de Petrópolis: por ele, o Brasil recebia o Acre (cerca de 152.000 km2), em troca de um pagamento de 2 milhões de libras, cederia à Bolívia uma área de 3.200 km2 em Mato Grosso e construiria a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, garantindo assim o escoamen­to da produção boliviana pelo rio Amazonas.


O Brasil e o Pan-Americanismo
Diferenciado do resto da América durante o século XIX, em virtude de suas instituições monárquicas, o Brasil juntou-se à comunidade das repúblicas americanas em 1889, no mesmo ano em que se iniciou o movimento pan-americano com a Primeira Conferência Internacional dos Estados Americanos, nos EUA, realizada entre 1889 e 1890.
Foi decisiva para a consolidação da harmonia pan-­americana a atuação de Rio Branco, por atenuar, contor­nar e resolver atritos entre as Américas portuguesa e espa­nhola, bem como para aproximá-las dos Estados Unidos na Conferência do Rio de Janeiro, em 1906.

O Brasil na Conferência de Haia
O Brasil marcou seu primeiro aparecimento importante numa conferência mundial, em 1907, quando se realizou a Segunda Conferência Internacional da Paz em Haia. Naquela ocasião, Rui Barbosa chefiou a delegação brasileira e ocupou a posição de Presidente de Honra.
As manobras das potências mundiais para criar uma Corte Internacional de Justiça ofenderam as suscetibili­dades e contrariaram as aspirações brasileiras. Rui Bar­bosa lançou-se na defesa de uma Corte de Justiça, na qual o princípio de igualdade de todas as nações seria preser­vado. Com essa atitude, o Brasil despontou como líder das nações latino-americanas, assim como de várias nações européias menores, na luta pela igualdade de represen­tação. Daí o cognome de Rui Barbosa: Águia de Haia.

O Brasil na Primeira Guerra Mundial
Após o afundamento do terceiro navio mercante bra­sileiro, em outubro de 1917, o Brasil declarou guerra à Alemanha, configurando assim sua participação direta no conflito. Essa posição está vinculada, entre outras, à en­trada dos Estados Unidos na guerra, nessa mesma época, e à crescente dependência brasileira das exportações para aquele país.
A participação brasileira, contudo, ficou restrito ao envio de uma unidade médica e de um esquadrão de aviadores à Europa, além da cooperação com os ingleses no patrulhamento do Atlântico Sul.
Em reconhecimento à participação brasileira, Grã-Bretanha, Itália e Bélgica elevaram suas legações no Rio de Janeiro à categoria de embaixadas e o Brasil fez o mesmo em relação àqueles países. Além disso, o Tratado de Versalhes, elaborado durante a Conferência de Paz de Paris, da qual o Brasil participou com uma delegação che­fiada por Epitácio Pessoa, incorporou duas reivindicações do governo brasileiro: pagamento, com juros, do café vendido à Alemanha em 1914 e apropriação de navios ale­mães apresados em portos brasileiros durante a guerra.
O Brasil participou ainda da formação da Liga das Nações, retirando-se desta em 1926, por não ver reconhe­cida sua importância no hemisfério ocidental.

A penetração econômica estrangeira
Durante a Primeira República, o predomínio do capi­tal estrangeiro foi encarado como um fenômeno natural num país em expansão, necessitando dele e de suas técni­cas superiores.
O capitalismo inglês foi o grande privilegiado por esta política: o London & River Plate Bank, do grupo Rotschild, foi o intermediário entre o governo brasileiro e a Inglaterra nos empréstimos negociados durante o perío­do. Além dos benefícios financeiros, a indústria inglesa vai ser favoreci da com as possibilidades abertas pela crise industrial de 1901 e cujo resultado foi o aumento da ex­portação industrial britânica para o Brasil.
Rodrigues Alves consolidou ainda mais esta ligação com sua política de prosperidade e estabilidade cambial; definiu-se por uma política de moeda estável, para satis­fazer a entrada de capitais e braços estrangeiros. Como conseqüência, instalou-se no Brasil um grande número de empresas estrangeiras: das 201 empresas fundadas entre 1889 e 1910, 160 eram estrangeiras.
Os fatos se repetiram no decorrer de toda a Primeira República, numa concordância entre as classes dirigentes brasileiras e o capital internacional: em 1915, represen­tantes do grupo Rotschild telegrafaram diretamente a Venceslau Brás para saber se haveria intervenção no Rio de Janeiro, pois tinham interesses naquele estado.
Durante a Grande Guerra verificou-se uma natural re­tração de capital estrangeiro. Contudo, a necessidade de abastecer os países em conflito possibilitou a instalação de um grande número de frigoríficos estrangeiros no Brasil, como o Armour e o Swift.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os países eu­ropeus e os Estados Unidos voltaram a investir maciça­mente no Brasil.
No Amazonas concederam-se terras ao empresário norte-americano Henry Ford. Este, com o objetivo de par­ticipar do comércio da borracha, feito até então por in­gleses e holandeses, apresentou em 1928 um projeto para a plantação científica da borracha. Conseguiu então o privilégio para explorar certas áreas da Amazônia brasileira por 50 anos. Daí, a origem de povoações como Fordlândia e Belterra.
Outro ramo marcado pela penetração, de capitais ame­ricanos e ingleses foi o da eletricidade. Desde o começo do século, a Light and Power, empresa anglo-canadense, dominou sua produção e distribuição em São Paulo e Rio de Janeiro. Entre 1928 e 1929 a Electric Bond & Share ad­quiriu as pequenas companhias de eletricidade de todo o Brasil.
De 1889 a 1930, a dependência econômica brasileira perante as potências estrangeiras cresceu. Os empréstimos constituíram formas de controle das receitas do País. Du­rante boa parte do período, alfândegas e estradas de ferro ficaram sob o controle dos capitais estrangeiros, como ga­rantia dos juros e prestações devidas.

5. A cultura brasileira na República Velha
Durante a República Velha a produção cultural brasi­leira refletia nas suas várias modalidades, a influência dos padrões e modismos estrangeiros; a cultura, como na época da Monarquia, continuava restrita a uma pequena parcela da população, uma vez que a instrução continuava sendo um privilégio das elites.
Na literatura, salvo exceções, predominavam o dile­tantismo acadêmico e o preciosismo vocabular dos parna­sianos, erigindo um obstáculo intransponível entre a lin­guagem literária e a fala das ruas; as artes plásticas obedeciam ainda aos rígidos cânones da pintura acadêmica européia e o teatro, seguindo as pegadas do teatro francês, demonstrava a preferência do público pelas operetas, vaudevilles e revistas com acento parisiense. As encenações eram, em sua maioria, de textos importados traduzi­dos e adaptados ao público brasileiro.


Os limites da Educação
Durante o período, a Educação enfrentou diversos problemas: inexistiam dispositivos constitucionais que garantissem um projeto amplo e sistemático de educação, bem como órgãos especializados (ministérios e secreta­rias) para tratar exclusivamente do assunto nos seus vários níveis; faltava um Plano Nacional de Educação e um sistema escolar que integrasse graus e ramos.
Apesar dessa situação, alguns intelectuais mostraram suas preocupações com a questão educacional. É o caso de Olavo Bilac, que em 1915 iniciou suas pregações cívico-patrióticas, defendendo o Serviço Militar, para fazer frente ao perigo externo (representado pela cobiça inter­nacional), e o aprimoramento da instrução para combater o perigo interno (manifestado pela quebra da unidade nacional, pelo depauperamento do caráter e pelo definhamento do patriotismo).
No plano das realizações, o agrupamento das Escolas Politécnica e de Medicina e uma das Faculdades Livres de Direito deu origem à Universidade do Rio de Janeiro, a primeira universidade pública do País, criada em 1920.
Quanto à escola primária, cabia aos Estados, de acor­do com a Constituição de 1891, o cumprimento dos seus deveres com a instrução, coisa que nunca acontecia. De acordo com o Relatório de 1922, a matrícula nas escolas primárias de todo o País era de 1.030.752 alunos; a fre­qüência, contudo, era de apenas 29% da população escolar.
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A Escola Normal, por sua vez, destinada à formação de professores primários, era basicamente voltada para a formação geral. Não constava de seu programa o ensino de disciplinas como Metodologia, Pedagogia e Psicolo­gia, específicas da formação de professores. Em 1907, dos 5.020 matriculados no "ensino pedagógico" apenas 786 eram do sexo masculino; essa tendência predominará pos­teriormente, pois em 1929, para 23.808 alunos matricu­lados, somente 3.401 eram do sexo masculino. Portanto, a escola normal era uma instituição destinada fundamen­talmente à educação de moças burguesas.

A Literatura
Com o advento da República, mesmo com a influên­cia européia, surgiram os primeiros autores cujas obras tratavam da realidade brasileira: Euclides da Cunha, Li­ma Barreto e Monteiro Lobato. Coube a estes escritores revelar, com profundo senso crítico, as tensões existentes na sociedade brasileira da época. O primeiro, em Os Ser­tões (1902), descreveu toda a campanha de Canudos; a visão do drama urbano, por sua vez, é fornecida pela obra de Lima Barreto, cujo cenário é o Rio de Janeiro, onde focaliza os subúrbios cariocas. Na sua obra Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), ridiculariza o nacionalismo ufanista através da figura do major Quaresma, cuja visão fragmentária da realidade o conduz a situações patéticas, como personagem típica da tradição quixotesca.
Como último representante dessa literatura realista tem-se Monteiro Lobato, autor de uma coletânea de con­tos, Urupês (1918), na qual imortalizou a figura do "Jeca Tatu", símbolo da miséria e ignorância do camponês brasileiro. Na coletânea seguinte, Cidades Mortas (1919), retratou a decadência do Vale do Paraíba, outrora uma próspera região cafeeira. Caracterizador de tipos, de gestos e ambientes, chegando muitas vezes ao anedótico, deve-se destacar sua literatura para crianças, associando objetivos pedagógicos à ficção.
Na década de 1920, contra o elitismo e o europeísmo que mar­cavam a cultura brasileira, rebelou­-se o movimento modernista brasi­leiro. Seu ponto alto foi a Semana de Arte Moderna (1922), realizada em São Paulo com o objetivo de criar uma cultura moderna, baseada em elementos genuinamente brasi­leiros.
Os modernistas foram buscar inspiração nas imagens da indústria, da máquina, da metrópole, do bur­guês e do proletário, do homem da terra e do imigrante.
Entre os escritores modernistas, o que melhor reflete o espírito da Semana é Oswald de Andrade. De maneira geral, sua produção literá­ria reflete a sociedade em que se forjou sua formação cultural: o momento de transição que une o Brasil agrário e patriarcal ao Brasil que caminha para a modernização.
Ao lado de Oswald de Andrade, destaca-se como ponto alto do Modernismo a figura de Mário de Andra­de, principal animador do movimento modernista e seu espírito mais versátil. Cultivou a poesia, o romance, o conto, a crítica, a pesquisa musical e folclórica.
Poetas de relevo da época foram também Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo e Antônio de Alcântara Machado. Este, inovando a estrutura do conto, em suas coletâneas Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) e Laran­ja da China (1928) retrata, numa linguagem que se apro­xima da jornalística, a vida social de São Paulo, desta­cando a figura do imigrante, sobretudo do italiano, res­ponsável por marcantes alterações na fisionomia cultural de São Paulo.

As Artes Plásticas
Até 1922, as artes plásticas eram marcadas pelo predomínio dos mode­los europeus, principalmente da Fran­ça. Logo após a Primeira Grande Guerra surgiram duas novas correntes: o Art Nouveau e o Nativismo, este último uma campanha iniciada por Ri­cardo Severo e Lúcio Costa.
Com o crescimento urbano e industrial de São Paulo no início do século - para onde convergiam nume­rosos imigrantes -, os meios artísticos nacionais entraram em contato com as mais recentes tendências da arte euro­péia. Em 1913, Lasar Segall mostrou em São Paulo, para um público ainda apático, telas expressionistas de inten­so conteúdo dramático.
Pouco depois, em 1917, a capital paulista foi agitada pela revolucionária pintura fauve, introduzida no Brasil por Anita Malfatti, que voltava de viagem de estudos pela Alemanha e Estados Unidos. Sua obra, apesar de duramente criticada por Monteiro Lobato, contou com o apoio de um grupo de literatos e artistas que, mais tarde, desencadearam o Movimento Modernista no País.
A esse grupo de artistas pertenciam Rego Monteiro, Di Cavalcanti (o pintor da mulata brasileira), Ismael Néri (primeiro surrealista do Brasil), Tarsila do Amaral e Cândido Portinari, que utilizou como temas de sua obras as estradas secas do Nordeste e seus retirantes.
Na escultura, a figura de relevo foi Victor Brecheret, autor da famosa obra Monumento às Bandeiras, atual­mente exposta no Parque do lbirapuera, em São Paulo.

A Arquitetura
Na virada do século XIX, a alta burguesia paulistana, ainda dependente do café, mas com vistas à indústria nascente, tratou de fazer suas construções de acordo com as novidades européias; procurava-se acompanhar o ce­nário cultural do Velho Continente, inspirado, sobretudo em Paris, a "meca" dos ricos fazendeiros paulistas.
Os estilos variados, combinados entre si e até inven­tados pelo ecletismo romântico, sempre permitindo mani­festações personalistas e evocações da' terra de origem, surgiam às vezes puros e concretos em sua concepção ori­ginal, a exemplo da casa Art Nouveau projetada pelo sueco Carlos Eckman para o cafeicultor e industrial Álva­res Penteado (Vila Penteado, o bairro de Higienópolis, em São Paulo). Nem sempre, porém, as misturas de soluções arquitetônicas foram felizes. Exemplo disso é o palacete projetado em 1896 pelo alsaciano Matheus Haussler para o fazendeiro Elias Chaves (hoje Palácio dos Campos Elíseos), que misturava soluções renascentistas com elementos alsacianos.
No início do século XX, Vítor Dubugras e outros in­troduziram o neocolonial, estilo que não ultrapassou o simples uso da ornamentação portuguesa palaciana barro­ca estilizada. Surgiram, assim, exemplares como o que foi construído no Caminho do Mar, entre Santos e São Paulo em 1922.
A partir da segunda metade dos anos 20 e durante a década de 30, as manifestações modernistas resumiram-­se, praticamente, a trabalhos personalistas. Ainda não havia uma consciência de modernidade unindo os ar­quitetos em tomo de uma tendência. O primeiro exemplo de um projeto desligado dos padrões culturais da época foi à casa de Warchavichk, de 1927. No seu exterior a influência é do cubismo, enquanto nos interiores sobressai o estilo da moda, o art déco.
Warchavchik, no entanto, não fez escola, nem teve se­guidores. Comparáveis a ele são: Flávio de Carvalho, ar­quiteto de poucos projetos e raras obras, Júlio de Abreu, Luís Nunes e também Vital Brazil.


A Música
Na música erudita, coube a Heitor Villa-Lobos, ainda hoje o compositor brasileiro mais conhecido no Exterior, a consolidação de uma linguagem musical caracteristicamente brasileira. Aproveitando elementos do folclore dos mais diversos pontos do Brasil, coletados durante suas inúmeras viagens, Villa-Lobos deixou uma vasta produção que abarca quase todos os gêneros musicais. São suas obras mais famosas: "Choros", "Bachianas Brasileiras", "Cirandas" e os ciclos da "Prole do Bebê".
A Semana de Arte Moderna de 1922 iria estimular as discussões sobre os caminhos que deveriam ser trilhados pela música brasileira. Dessas discussões, que procuravam definir uma posição de distanciamento em relação às tendências européias presentes na música brasileira, resultaram na publicação, em 1928, do Ensaio Sobre a Música Brasileira, de Mário de Andrade. A proposta central do livro era que os compositores buscassem a inspiração prioritariamente na realidade nacional, com especial atenção para o rico folclore musical brasileiro.
Na música popular, firmaram-se cada vez mais os elementos da nossa herança africana. Em 1889, surge a marcha "ô Abre Alas", de Chiquinha Gonzaga, a primeira composição destinada especialmente às festas de Carnaval.
Na época, a música era divulgada principalmente nos teatros de ópera ou então ao ar livre, em apresentações que exigiam dos cantores uma série de recursos vocais, para evitar que fossem abafados pela massa orquestral ou pelas bandas. A marcha de Chiquinha Gonzaga também refletia essa preocupação, exigindo para a sua interpretação uma voz possante. Por outro lado, a simplicidade da letra e a descontração rítmica permitiam que todos entoassem, nas ruas, a nova marcha, que teve assim uma rápida aceitação popular.
Até às vésperas da Primeira Grande Guerra, o Carna­val ainda não ganhara o ritmo capaz de lhe conferir um denominador musical comum. Porém, a partir de 1917, quando Ernesto dos Santos, o Donga, gravou em disco a música "Pelo Telefone", o primeiro "samba autêntico" (cu­jo rótulo, entretanto, classificava-o como marcha carnava­lesca), as músicas nitidamente brasileiras popularizaram-­se rapidamente.
Durante a República Velha, davam seus primeiros passos musicais Alfredo Viana Filho - Pixinguinha -, Noel Rosa e Ari Barroso, que no período seguinte (Se­gunda República) seriam os responsáveis pela época de ouro da música popular brasileira.

O Teatro
No final do século XIX e início do século XX, o teatro no Brasil não passava de uma imitação dos modelos europeus.
Nesse panorama surgiu Artur Azevedo, que reagiu contra o teatro da época através de sátiras musicais, nas quais apontava e analisava problemas sociais. Autor de quase duzentas peças, Artur Azevedo encerrou um ciclo do teatro brasileiro, iniciado com as comédias de Martins Pena. Duas de suas peças, O Mambembe e A Capital Federal, são consideradas obras-primas da literatura dramá­tica nacional.
Com a Grande Guerra interrompendo o contato com os centros culturais europeus, surgiram as companhias teatrais brasileiras, encenando peças que valorizavam a vida do campo - seus homens são fortes e sadios, em oposição à vida nas cidades - ou que retratavam o conflito entre a "nascente" classe média e os latifundiários, o Brasil era valorizado como o melhor país do mundo.
Foi nesse período que apareceram três atores do teatro brasileiro: Procópio Ferreira, Apolônia Pinto e Leopoldo Fróes. Os autores mais encenados foram: Cláudio de Sousa (Flores de Sombra), Gastão Tojeiro (Onde Canta o Sabiá) e Armando Gonzaga (Cala a Boca Ete1vina).
No entanto, o espetáculo teatral continuava sendo, basicamente, um roteiro sobre o qual as "estrelas" impro­visavam. O teatro brasileiro era um teatro de ator, não existindo a idéia de um diretor que coordenasse o espetá­culo, respeitando as idéias do autor.
Em 1927, Eugênia e Álvaro Moreyra fundaram, no Rio de Janeiro, o Teatro de Brinquedo, que estreou com a peça "Adão, Eva e Outros Membros da Família". Foi uma tentativa de trazer para o teatro brasileiro as proposições estéticas da Semana de Arte Moderna.

O Cinema
Em 1896, os jornais do Rio de Janeiro noticiavam a chegada do primeiro aparelho de projeção ao País - o omniógrapho, numa sala da Rua do Ouvidor -, que exibia "vistas naturais". Como o grande sucesso do novo invento (Irmãos Lumière) exigia a renovação constante dos programas, o proprietário do salão da Rua do Ou­vidor, Pascoal Segreto, enviava periodicamente emissário a Paris ou Nova York, a fim de obter novas 'vistas' e aparelhos mais modernos. Retornando de uma dessas viagens, Afonso Segreto, irmão de Pascoal, filmou algu­mas cenas da Baía de Guanabara, a bordo do navio fran­cês Brésil. Esta data, 19 de junho de 1898, marca o início das primeiras cenas filmadas no Brasil.
Até 1907, a produção cinematográfica brasileira resu­mia-se às "vistas naturais". Somente a partir do ano se­guinte começaram a surgir filmes de enredo, ou "filmes posados". O primeiro filme de ficção realizado no Brasil (1908) foi Nhô Anastácio Chegou de Viagem, um curta-metragem que contava as aventuras de um caipira no Brasil. Vinte dias após a sua exibição, foi apresentado ao público o filme Os Estranguladores, baseado num crime ocorrido no Rio de Janeiro e produzido pela firma Photo Cinematographia Brasileira, de Antônio Leal e José Labanca. O sucesso desse filme fez surgir outros que rela­tavam a crônica policial da época: Noivado de Sangue ou Tragédia Paulista, Um Drama na Tijuca, A Mala Sinis­tra.
De 1914 a 1918, mais de doze firmas produtoras fo­ram criadas em São Paulo e Minas Gerais. Nesse período, vários técnicos em direção teatral e em cinegrafia chega­ram ao Brasil, fugindo do conflito europeu. Em 1915, Paulo Benedetti montou o primeiro laboratório profissio­nal do País e lançou o primeiro filme sonoro brasileiro. A partir de 1918, ocorreu um surto de filmes inspirados na literatura brasileira e na participação do Brasil na Grande Guerra.
Na década de 20, aumentou a produção de filmes, agora com sensível melhora na qualidade; importante, neste último aspecto, foi a atuação de Pedro de Lima e Adhemar Gonzaga, que através da revista Cinearte pro­curavam orientar o trabalho dos vários grupos que atua­vam no campo cinematográfico.
Na época, Cristóvão Guilherme Auler e Frederico Serrador, concorrentes de Leal e Labanca, realizaram fil­mes "cantantes" e "falantes", isto é, filmes cujas cenas eram acompanhadas, na hora da projeção, pela voz de artistas escondidos atrás da tela. Além de filmarem opere­tas, produziam também o "filme-revista", inspirado na tradição teatral das "revistas de fim de ano" que satiri­zavam os principais acontecimentos políticos do ano. O maior sucesso artístico-financeiro da época foi o filme Paz e Amor, escrito por José do Patrocínio Filho, filmado por Alberto Botelho e produzido por Guilherme Auler. Outro grande sucesso foi a película O Crime dos Ba­nhados, um longa-metragem que contava o massacre de toda uma família do Rio Grande do Sul, em conseqüência de lutas políticas recentes à época.

A Imprensa
O Estado de S. Paulo, dirigido por Júlio de Mesqui­ta, foi o grande órgão político na capital paulista, onde se desenvolviam mais rapidamente as atividades industriais e burocráticas. Em 1907, o jornal tinha tiragens diárias de 35 mil exemplares, com 16 a 20 páginas, tendo como colaboradores, entre outros, Coelho Neto e Euclides da Cunha.
Em 16 de maio de 1906, começava a circular, em São Paulo, A Gazeta, dirigida inicialmente por Adolfo Araújo e, a partir de 1918, por Cásper Líbero.
A imprensa estrangeira de São Paulo, cidade de imi­grantes, particularmente italianos, foi reforçada com o aparecimento, em 1908, de II Picolo.
Um exemplo que caracteriza o engajamento político da imprensa na época foi o da Campanha Civilista de 1909; a imprensa dividiu-se: tomaram posição em favor de Hermes da Fonseca o Jornal do Brasil, O País e O Malho; ao lado da candidatura de Rui Barbosa, ficaram o Correio da Manhã, O Estado de S. Paulo e Careta.
As revistas (na maior parte humorísticas) mais famo­sas da época eram O Malho (1902), O Tico-Tico (1905), Fon-Fon (1907) e Careta (1908).
Dentre os jornais estrangeiros publicados em São Paulo, destacou-se o italiano Fanfulla.

A Propaganda
Na primeira década do século XX, apareceram as primeiras revistas semanais ilustradas. Nelas, os pequenos classificados do século anterior foram substituídos pelos anúncios de página inteira impressa em até sete cores.
As figuras do governo, parlamentares e até mesmo personalidades ilustres e internacionais passaram a ser explorados pela propaganda, através de caricaturas e de diálogos que davam a aparência de testemunhos; os versos reforçavam o tom de glosa, com humor e uma certa alegria extremamente liberal.
Imagine um presidente da República fazendo referên­cias elogiosas aos artigos de uma loja ou posando com seus ministros diante de um bazar, todos vestidos de qui­monos, dizendo que acabaram de fazer compras fabulo­sas. Foi o que aconteceu com Afonso Pena em 1909, nas páginas da revista Fon-Fon.
O Barão do Rio Branco, ministro das Relações Ex­teriores, apareceu em um anúncio tendo a seu lado um menino que lhe perguntava: "Seo Barão, o que devo fazer para ficar forte e bonito como o senhor?" Respondia Rio Branco: "Deves te alimentar com o milagroso Manah, que, além de ser atualmente a salvação das crianças, ainda oferece um prêmio de $500.000".
Há muitos outros exemplos utilizando-se das perso­nalidades mais em voga de cada fase. Como o desta frase de um quadrinho famoso, atribuída a Olavo Bilac: "Aviso a quem é fumante / Tanto o Príncipe de Gales como o Dr. Campos Salles / Usa Fósforo Brilhante".
Em 1914, instalou-se em São Paulo a primeira agên­cia de publicidade do Brasil: A Eclética, que em 1918 abriu uma filial no Rio de Janeiro, a qual acumulava tam­bém as funções de representante do jornal O Estado de S. Paulo. Mais tarde surgiram agências publicitárias norte­-americanas, como a Thompson e a Ayer, desenvolvendo e atualizando a publicidade de estradas e melhorando o acabamento gráfico dos anúncios.
Nessa época, os anúncios de moda apareciam em pá­ginas em cores. A Nestlé vendia sua Farinha Láctea em três palavras: "Força, Vigor, Robustez". A Colgate-Pal­molive promovia o Extract Vision de Fleurs como sendo um perfume "agradável, persistente e delicioso"; o Colgate's Baby Talc Powder era "indispensável na toalete das crianças". Anúncios de remédios eram constantes, como por exemplo os da Adalina, Bayaspirina, Instantina, Rapé Medicinal Oxau, Mitigau e Tônico Bayer.
É importante salientar o aparecimento do personagem "Jeca Tatu", de Monteiro Lobato, que nos anúncios do Biotônico Fontoura, Ankilostomina e Maleitosan foi chamado de Jeca-Tatuzinho. Era a história de "um pobre caboclo que morava no mato, numa casinha de sapé. Vivia na maior pobreza em companhia da mulher, muito magra e feia e de vários filhinhos pálidos e tristes. Quando a família bebeu os produtos do Laboratório Fontoura, todos se tomaram saudáveis, fortes, felizes e até melhoraram seu padrão de vida". As histórias de Jeca- Tatuzinho toma­ram-se extremamente populares. Seu autor, Monteiro Lo­bato, aproveitava para, além de anunciar o produto, tam­bém ensinar alguns princípios básicos de higiene, como por exemplo, escovar os dentes etc. Vendiam, ensinando. Atualmente, nos Laboratórios Fontoura, existe uma sala especial, onde estão os originais, desenhos, aquarelas e layouts para capas de almanaques, feitos por Monteiro Lobato.

6. As Telecomunicações
O Rádio
Marconi, inventor do rádio, teve como precursor um padre brasileiro: o padre Landell de Moura, verdadeiro inventor da válvula de três pólos (ou tríodo), que conse­guiu transmitir notas musicais a longa distância, sem fios. em 1893. No entanto, na época, o sacerdote foi acusado por seus contemporâneos de "lunático, louco, bruxo e diabólico", sofrendo inclusive perseguições de seus supe­riores. Na verdade, há poucos documentos sobre os traba­lhos científicos do padre Landell de Moura. Mas esses poucos papéis e anotações são suficientes para comprovar suas idéias no que tange ao telégrafo sem fio e ao rádio. Já em 1894, ele fazia experiências na Avenida Paulista, transmitindo suas mensagens para outra estação no Morro de Santana. Em 1901, viajou para os Estados Unidos e lá patenteou seus inventos no U.S. Patent Office, onde se encontram até hoje suas patentes de números 771.917 (transmissor de ondas), 775.337 (modelo original de telé­grafo sem fio) e 775.846 (telefone sem fio).
Oficialmente, o rádio nasceu no Brasil no dia do cen­tenário da Independência, no Rio de Janeiro. Aos 7 de setembro de 1922 havia o grande desfile no Campo de São Cristóvão. O discurso do Presidente Epitácio Pessoa foi ouvido no recinto da Exposição do Centenário, em Niterói, Petrópolis e em São Paulo, graças à instalação de uma estação transmissora no Corcovado. O serviço fora feito pela Rio de Janeiro and São Paulo Telephone Com­pany, pela Westinghouse Internacional Company e pela Western Electric Company.
À noite, no recinto da Exposição, em frente ao posto de "Telephone Público", por meio do "telephone-alto-fa­lante", a multidão teve uma sensação inédita. A ópera "O Guarani", de Carlos Gomes, que estava sendo apresentada no Teatro Municipal, "foi ali, distintamente ouvida, bem como os aplausos aos artistas", como descreveu o jornal "A Noite do dia 9 de setembro de 1922".
Essa transmissão pioneira foi o coroamento dos es­forços de homens como Roquete Pinto, que liderou o movimento para a instalação da primeira estação de Rádio do Brasil: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, com estações transmissoras no Corcovado e na Praia Ver­melha. A emissora foi inaugurada no dia 20 de abril de 1923.
A primeira emissora paulista nasceu em 1924: a Rádio Educadora Paulista, cujo presidente-fundador foi Steidel. Ainda naquele ano, foi fundada no Re­cife a Rádio Clube de Pernambuco, graças à iniciativa dos irmãos Moreira Pinto.

A CRISE DA REPÚBLICA VELHA
1. Introdução
Durante a Primeira Guerra Mundial, a economia bra­sileira alcançou um relativo grau de diversificação; desse modo, a estrutura da sociedade diferenciou-se, desenvol­vendo as camadas sociais urbanas: classe média e opera­riado. A classe média era a mais prejudicada pelas medi­das defensivas da economia cafeeira, pois as contínuas desvalorizações cambiais, ao encarecerem os produtos importados, atingiam diretamente suas possibilidades de consumo.
A estrutura política da República Velha, como vimos, foi marcada pela dominação das oligarquias agrárias lide­radas pelo setor cafeeiro e a corrupção eleitoral excluía, os grupos urbanos de qualquer representação. Foram, na década de 1920, as camadas médias urbanas e o proleta­riado que mais pressionaram por uma abertura política, questionando o poder da velha oligarquia do café-com-leite.

2. O Tenentismo
Características
Dessa forma, a década de 1920 foi marcada por agudas tensões políticas e sociais. Descontente com o aumento do custo de vida, o povo reclamava voto direto e secreto, eleições controladas pelo Poder Judiciário; em suma, a "verdade eleitoral".
No âmbito militar, ocorria um forte descontentamen­to em certos setores do Exército. A alta oficialidade fre­qüentemente se chocava com os grupos dominantes, como durante o governo de Epitácio Pessoa, ao apoiar o can­didato oposicionista Nilo Peçanha contra a candidatura oficial de Artur Bernardes.
Paralelamente, os oficiais jovens formavam um mo­vimento que predominou a partir de 1922: o Tenentismo.
O Tenentismo representou, dentro do Exército, uma cisão entre os oficiais mais graduados, que após suas desavenças com Epitácio Pessoa haviam se acomodado no governo de Artur Bernardes, e os jovens oficiais que pretendiam mudanças políticas e sociais.
Do ponto de vista ideológico, o movimento tinha, até 1930, as seguintes características:
Ideal de Salvação Nacional - Os tenentes viam-se como agentes da regeneração, defensores das instituições republicanas, em nome de um povo ignorante e infeliz.
Elitismo - A insurreição caberia a um grupo, e não ao povo, despreparado e incapaz. Os tenentes, contraditoria­mente, defendiam a "verdade eleitoral", mas entendiam que as camadas populares votavam mal, e que seria mais razoável substituir o voto universal pelo voto de uma "elite eleitoral".
Reformas - Centralização dos poderes do Estado, moralização, nacionalismo econômico, novo sistema de ensino.

Os participantes
Alguns tenentes pertenciam à classe média, outros vinham de farm1ias tradicionais. Levar em conta sua ori­gem social é importante, mas não basta para explicar o movimento. É preciso considerar também o fato de os tenentes pertencerem às Forças Armadas, uma instituição peculiar da sociedade, o que dava ao movimento a carac­terística do "ideal de salvação nacional" e a possibilidade de utilização da via armada para atingir seus objetivos.
Dentre os principais componentes do movimento, po­demos citar: Luís Carlos Prestes, Joaquim e Juarez Távo­ra, Isidoro Dias Lopes, Eduardo Gomes, Siqueira Cam­pos, João Cabanas e Miguel Costa.

As etapas do Tenentismo
Os "18 do Forte" de Copacabana, 1922
A sucessão presidencial em 1922 provocara uma ci­são interna no Exército. Parte da alta oficialidade apoiava Nilo Peçanha em oposição ao candidato oficial, Artur Bernardes. Mesmo encerradas as eleições, que, é claro, deram vitória a este último, a agitação continuava. Her­mes da Fonseca, então presidente do Clube Militar e anteriormente envolvido no episódio das Cartas Falsas, incitou as guarnições de Pernambuco a não obedecerem a Epitácio Pessoa.
Repreendido pelo ministro da Guerra, o civil Pandiá Calógeras, Hermes confirmou a incitação e não aceitou a repreensão. Foi, então, preso e o Clube Militar fechado por seis meses, o que agravou a tensão. Em 5 de julho de 1922, dezoito elementos jovens do Forte de Copacabana rebelaram-se contra o governo. Da luta que se seguiu, restaram apenas dois sobreviventes: Eduardo Gomes e Siqueira Campos.

A Revolução de 1924 - São Paulo
Desde o célebre episódio das Cartas Falsas, as quais lhe haviam sido atribuídas antes mesmo de sua eleição para a Presidência da República, Artur Bernardes des­pertara a animosidade de numerosos oficiais do Exército, sobretudo entre os mais jovens. Na qualidade de represen­tante típico da República das Oligarquias o presidente era um alvo natural para os ataques dos tenentes. Quanto aos oficiais-generais, porém, a maioria o apoiava, pois eram militares perfeitamente identificados com o sistema, ao qual serviam e do qual recebiam benefícios.
A Revolução de 1924 foi um movimento de cunho essencialmente tenentista, embora seu chefe fosse o gene­ral Isidoro Dias Lopes (daí a denominação popular de Revolta do Isidoro). O levante irrompeu em São Paulo no dia 5 de julho de 1924, exatamente dois anos após a revolta dos 18 do Forte. O presidente do Estado, Carlos de Campos, resistiu aos revolucionários, apoiado em algu­mas unidades da Força Pública até a chegada de tropas federais. Aumentando a pressão governista, os revolucio­nários decidiram retirar-se da cidade, após 22 dias de ocupação. A retirada ocorreu em boa ordem, em direção ao interior do Estado de São Paulo, e depois para o oeste do Paraná. Nas proximidades da foz do Iguaçu, em abril de 1925, a coluna paulista efetuou sua junção com outra coluna revolucionária que, sob a chefia do capitão Luís Carlos Prestes, vinha do Rio Grande do Sul.

A Coluna Prestes - 1924/1927
Assim se chamou a coluna que, sob o comando de Miguel Costa e tendo Luís Carlos Prestes como chefe de Estado-maior, percorreu mais de 24.000 km (somando-se os itinerários de seus quatro destacamentos) pelo interior brasileiro. A marcha da Coluna Prestes representou o mo­mento máximo do Movimento Tenentista, com seu obje­tivo de conscientizar a população do País e incitá-la con­tra as estruturas políticas vigentes.
Militarmente, a Coluna Prestes pode ser considerada um sucesso. Com efetivos que jamais ultrapassaram 1.500 homens (as perdas geralmente eram compensadas por novas adesões) e sempre prejudicados pela insuficiência de munições, os revolucionários conseguiram evitar o cerco e a captura por parte das forças, numericamente superiores, que os perseguiam. Ao todo, a Coluna Prestes travou 53 combates, sem ter sido derrotada em nenhum deles.
Politicamente, porém, a Coluna fracassou. O povo, de um modo geral, permaneceu apático (exceto certos ele­mentos da classe média e membros de oligarquias dissi­dentes), quando não, hostil ao movimento. Os "coronéis", com suas forças irregulares, deram um importante apoio às unidades do Exército que lutavam contra a Coluna. Até mesmo cangaceiros, como o célebre Lampião, foram mobilizados contra os rebeldes.
Em fevereiro de 1927, já no governo de Washington Luís, os últimos remanescentes da Coluna Prestes (cerca de 800 homens) internaram-se na Bolívia. O Tenentismo provara, definitivamente, sua incapacidade em conquistar o poder apenas com seus recursos.

A Revolução de 1930 e a Era de Vargas (1930 – 1945)

A REVOLUÇÃO DE 1930
1. Introdução
No fim da década de 1920, os setores que contesta­vam as instituições da República Velha não tinham possi­bilidade de êxito: os tenentes, após vários insucessos, estavam marginalizados ou no exI1io; as classes médias urbanas não tinham autonomia para se organizar. Todavia, uma oportunidade abrir-se-ia para esses setores: uma nova divergência entre as oligarquias regionais e o golpe sofri­do pelo setor cafeeiro com a crise mundial de 1929.

2. Fatores da Revolução de 1930
• A dissidência regional: a indicação de Júlio Prestes pelo presidente Washington Luís como candidato do go­verno à Presidência na eleição de 1930, ao que parece, pa­ra que sua política de estabilização financeira não fosse interrompida, não foi aceita por Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, presidente do Estado de Minas Gerais. Rom­pia-se a Política do Café-com-Leite.
Antônio Carlos, a fim de enfrentar o governo federal, realizou uma aliança com o Rio Grande do Sul e a Pa­raíba. No Rio Grande do Sul, o Partido Republicano e o Partido Libertador tinham chegado a um relativo acordo, o que fortalecia o Estado no plano nacional. Ao Rio Gran­de do Sul foi oferecida a candidatura à Presidência, e à Paraíba, a candidatura à Vice-Presidência. Juntaram-se a eles o Partido Democrático de São Paulo e outras oposi­ções dos Estados, dando origem a uma coligação denomi­nada Aliança Liberal (1929). Dela faziam parte velhos políticos como Borges de Medeiros e Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, e os ex-presidentes Epitácio Pessoa, Artur Bernardes e Venceslau Brás. Foram lançadas as candidaturas de Getúlio Vargas para presidente e de João Pessoa para vice.
O programa da Aliança Liberal satisfazia as aspira­ções dos setores opostos ao cafeeiro, ao proclamar que todos os produtos nacionais deveriam ser incentivados, e não somente o café, cujas valorizações prejudicavam fi­nanceiramente o País. Outrossim, pretendendo sensibili­zar as classes médias urbanas, o programa defendia as li­berdades individuais, o voto secreto, a participação do Po­der Judiciário no processo eleitoral, leis trabalhistas e anistia política.
Apesar da grande repercussão de sua campanha nos centros urbanos, os candidatos da Aliança Liberal foram derrotados, pois a grande maioria dos Estados alinhava-se com o presidente Washington Luís.
• A crise de 1929: embora seja certo que a crise mun­dial repercutiu com mais intensidade no Brasil em 1931, é preciso considerar que seus efeitos iniciais já abalavam o setor cafeeiro. Esse fato foi percebido pelos adversários da oligarquia cafeicultora, que nele viram uma oportunidade de derrubá-la.
Por outro lado, o setor cafeeiro e o governo federal estavam distanciados por este ter recusado auxílio no iní­cio da crise. Os grupos dominantes de São Paulo, embora tivessem marchado com a candidatura de Júlio Prestes, não estavam dispostos a uma luta armada.

3. O movimento
Com a derrota eleitoral, os velhos políticos da Alian­ça Liberal - como Borges de Medeiros - pretenderam compor-se com os vitoriosos, como geralmente acontecia na República Velha. Mas existia na Aliança uma ala de políticos jovens (Maurício Cardoso, Osvaldo Aranha, Lin­dolfo Collor, João Neves, Flores da Cunha, Virgílio de Melo Franco e Francisco Campos) que não se conforma­va com uma situação na qual sua ascensão política per­manecia dependente. Portanto, optaram eles pela via ar­mada e, para isso, aproximaram-se dos tenentes, como Juarez Távora, Ricardo Hall e João Alberto.
A conspiração sofreu várias oscilações por causa da posição conciliatória dos velhos oligarcas da Aliança Li­beral, inclusive do próprio Getúlio Vargas, o que provo­cou seu esfriamento. Porém, foi alentada pela "degola" de deputados federais eleitos por Minas Gerais e Paraíba (maio de 1930), quebrando a Política dos Governadores e pelo assassinato de João Pessoa (julho de 1930) em Re­cife, por motivos ligados a problemas locais, mas ex­plorado politicamente pelos conspiradores, e pela adesão do gaúcho Borges de Medeiros, em agosto do mesmo ano.
Os tenentes foram aproveitados por sua experiência revolucionária, mas a chefia militar coube ao tenente-co­ronel Góis Monteiro, elemento de confiança dos políticos gaúchos.
No dia 3 de outubro eclodiu a revolta no Rio Grande do Sul, e no dia seguinte, sob a chefia de Juarez Távora, no Nordeste. Dela participavam tropas das milícias estaduais e forças arregirnentadas por "coronéis". Das tropas do Exército, várias aderiram ao movimento, algumas mantiveram-se neutras, e poucas resistiram. Em vários Estados os governantes puseram-se em fuga. Quando se esperava um choque de grandes proporções entre as tropas que vinham do Sul e as de São Paulo, o presidente Washington Luís foi deposto, no dia 24, por um grupo de altos oficiais das Forças Armadas, que tinham a intenção de exercer um papel moderador. Formou-se uma Junta Governativa Provisória, intitulada Junta Pacificadora, integrada pelos generais Mena Barreto e Tasso Fragoso, e pelo almirante Isaías Noronha.
Após algumas hesitações, a Junta passou o poder para Getúlio Vargas no dia 3 de novembro.


4. Conclusão
Em 1930, a crise que se configurara ao longo da dé­cada atingiu sua culminância: as oligarquias regionais dissidentes optavam pela luta armada, o descontentamen­to militar ganhava novo alento, as classes médias urbanas, insatisfeitas, constituíam um amplo setor de apoio. Nesse momento, o setor cafeeiro era atingido pelos primeiros efeitos da Crise de 1929 e se distanciava do Governo Federal. Daí a possibilidade de vitória de uma revolução.
Portanto, um fator externo - a Crise Mundial de 1929 - combinou-se com o agravamento de contradições inter­nas.
O setor cafeeiro continuou representando o papel fun­damental na economia do País, mas, com a derrota, per­deu a hegemonia política.
A Revolução levou a uma nova composição de equi­líbrio entre setores da classe dominante. Não houve uma ruptura no processo histórico, e sim apenas uma acomo­dação de interesses e uma atualização de instituições.

A ERA DE VARGAS (1930-1945)

1. Introdução
A mudança de liderança política resultante da ascen­são de Vargas à Presidência tomou-se conhecida como a Revolução de 1930. O movimento tinha dois objetivos. Em primeiro lugar, pôr fim à estrutura republicana criada a partir de 1889. Por outro lado, modernizar o aparelho governamental para atender às necessidades criadas pelo crescimento do País.
A Revolução de 1930 pôs fim à hegemonia da bur­guesia do café. O episódio revolucionário representava a necessidade de reajustar a estrutura do País, cujo funcio­namento, voltado essencialmente para um único gênero de exportação, tomava-se extremamente precário.
O agravamento das tensões no curso da década de 1920, as peripécias eleitorais de 1930 e os primeiros efeitos da crise econômica mundial propiciaram a criação de uma frente difusa e heterogênea, cujo único denominador comum era a derrubada da velha República Oligárquica.
A classe dirigente paulista - onde o setor cafeeiro era predominante - perdia a hegemonia política com a Revolução de 1930. Daí para a frente - como tendência­ - São Paulo ampliaria sua importância econômica, mas a representação política fugiria de suas mãos.
O "tenentismo" - que desde 1922 se apresentara como sintoma das transformações estruturais da sociedade brasileira, conseguindo catalisar os descontentamentos de vários grupos nacionais - a partir de 1930 perde sua força autônoma. Derrubadas as velhas instituições, é para a figura de Getúlio Vargas que se voltam as esperanças, esvaziando a imagem dos tenentes. Individualmente, com raras exceções, os tenentes foram atraídos para a órbita do Poder Central, onde sua ação e influência têm papel significativo mas subordinado.
O novo governo revelou a disposição de centralizar progressivamente em suas mãos tanto as decisões econô­mico-financeiras como as de natureza política, mostrando-­se inovador mais na forma que no conteúdo.
É importante frisar que a Revolução de 30 e o Go­verno de Vargas levaram a uma acomodação, um rearran­jo no próprio seio de oligarquia dominante, sem, contudo, destruir o poder deste grupo. Testemunha disso foi, como veremos, a política de proteção ao café.

2. O governo provisório
"Assumo provisoriamente o governo da República, como delegado da Revolução, em nome do Exército, da Marinha e do Povo". Com estas palavras, Vargas recebia da Junta Governativa Provisória, em 3 de novembro de 1930, a chefia do Governo Provisório da República. Contudo, jamais um provisório foi tão permanente, pois uma vez no poder, Vargas iria permanecer por quinze anos à frente dos destinos do País.

A organização política
Em 11 de novembro de 1930, por força da Lei Orgâ­nica que conferia plenos poderes a Vargas, era declarada suspensa a Constituição de 1891 e dissolvidos todos os órgãos legislativos: Congresso Nacional, Assembléias Le­gislativas Estaduais e Câmaras Municipais, pois "a Re­volução não reconhece direitos adquiridos". Assim, Var­gas tinha o direito de exercer não apenas o Poder Exe­cutivo, mas também o Legislativo, "até que uma Assem­bléia Constituinte, eleita, estabeleça a reorganização cons­titucional do País". Da mesma forma, todos os antigos governadores, com exceção do novo governador eleito de Minas Gerais, foram demitidos e em seu lugar nomeados interventores federais. Os interventores, escolhidos entre os tenentes, recebiam plenos poderes e eram diretamente responsáveis perante o Governo Provisório. O Código dos Interventores (agosto de 1931) limitava a área de ação dos Estados, que ficavam proibidos de contrair empréstimos externos sem a autorização do Governo Federal; gastar mais de 10% da despesa ordinária com os serviços da Polícia Militar; dotar as polícias estaduais de artilharia, aviação ou armá-las em proporção superior ao Exército.
O primeiro ministério de Vargas exprimia bem o con­junto de forças diversas que o presidente tinha de mani­pular: a Osvaldo Aranha, gaúcho e amigo íntimo do pre­sidente, coube o Ministério da Justiça; ao "tenente" Jua­rez Távora, cearense, foi dado por três semanas o Minis­tério da Viação e Obras Públicas, que depois foi ocupado pelo paraibano José Américo de Almeida; ao mineiro Francisco Campos, futuro ideólogo do Estado Novo, foi entregue o recém-criado Ministério da Educação e Saúde Pública. Com Lindolfo Collor, gaúcho e protegido de Borges de Medeiros, ficou o novo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, enquanto a José Maria Withaker, banqueiro e membro do Partido Democrático Paulista, que mantinha boas relações com grupos financeiros internacionais, foi entregue a pasta da Fazenda.
Quanto aos ministérios militares, os tenentes não conseguiram controlá-los, pois estes foram entregues à alta oficialidade do Exército e da Marinha.

A política trabalhista
No plano social destacaram-se, ainda em 1930, a cria­ção do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (também foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública) e a decretação da Lei dos Dois Terços, chamada vulgarmente de Lei da Nacionalização do Trabalho; diante do desemprego crônico, as empresas de origem estrangeiras eram obrigadas a ter em seus quadros, pelo menos, dois terços de trabalhadores brasileiros natos.
Em 19 de março de 1931, o governo decretou a Lei de Sindicalização, reguladora dos direitos das classes patronais e operárias. De acordo com ela, os estatutos dos sindicatos deveriam, a partir de então, ser aprovados pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, ficando a ele atrelados. Com isso, delineava-se o sentido da política trabalhista de Vargas, rumo ao controle do movimento operário e à criação de condições para o desenvolvimento da indústria, fazendo dessa lei uma mera adaptação da Carta del Lavoro de Mussolini, em que a participação política dos sindicatos era cerceada.
Em 1931, foi apresentado o anteprojeto da Lei do Sa­lário Mínimo, que só se tomaria realidade durante o Esta­do Novo. Algumas medidas, entretanto, foram implemen­tadas: o trabalho feminino foi regulamentado, assim como trabalho de menores e o trabalho noturno; a carteira profissional foi instituída em março de 1932, para pessoas maiores de 16 anos que exercessem um emprego, tendo valor idêntico à carteira de identidade; a jornada de trabalho foi fixada em 8 horas de serviço diário, com obri­gatoriedade de descanso semanal remunerado e o direito das férias anuais, já estabelecido em 1926, mas não cumprido, foi reafirmado com quinze dias úteis sem prejuízo dos vencimentos.

A Revolução Constitucionalista de São Paulo (1932)
Em meio a grande instabilidade, com a sucessão de quatro interventores, em menos de dois anos, São Paulo, que perdera a hegemonia política no plano nacional e a autonomia em virtude da nomeação de interventores, começou a articular os mais diferentes grupos para derrubar Vargas. As reivindicações paulistas iam desde a nomeação de um interventor civil e paulista, passando pela exigência de eleições até a reconstitucionalização imediata do País.
Vargas, por sua vez, procurava "atender" ao desejo dos paulistas, nomeando como interventor em São Paulo o ex-embaixador Pedro de Toledo, um civil e paulista. O atendimento desse pleito, no entanto, não aliviou a tensão e o mal-estar existente entre os paulistas; tampouco adian­taram as medidas que tomara, criando comissões para ela­borar o Código Eleitoral e o anteprojeto de Constituição, marcando até a data das eleições para maio de 1933. Para as lideranças de São Paulo, tais atos eram tidos como suspeitos.
Na verdade, a insatisfação dos paulistas devia-se à extensão da crise cafeeira e à política governamental de proteção ao café, que não atendia totalmente aos inte­resses dos cafeicultores. A insatisfação da elite cafeeira estendeu-se pelo Estado, contagiando os mais variados segmentos da população. Numa atmosfera de entusiasmo, alimentada por marchas militares, criaram-se batalhões e recrutou-se a juventude das escolas, exacerbando o senti­mento regionalista de São Paulo, sob a égide do cons­titucionalismo.

Uma revolução em marcha
No dia 23 de maio de 1932, uma grande manifestação popular investiu contra a sede da Legião de Outubro ­agremiação política ligada a Getúlio. No tiroteio que então se travou, morreram quatro manifestantes (Martins, Miragaia, Dráusio, Camargo), cujas iniciais serviram para designar o grupo mais extremado do constitucionalismo paulista: MMDC.
Desencadeou-se, então, intensa campanha de agita­ção contra Vargas, baseada em slogans, como: "Convoca­ção imediata da Constituinte!", "São Paulo conquistado!", "São Paulo dominado por gente estranha!" ou, ainda, "Tudo pela Constituição!"
Em 9 de julho desse mesmo ano irrompia em São Paulo a Revolução Constitucionalista que contava, segundo seus líderes, com o apoio do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e outros Estados do Nordeste.
São Paulo tomava-se uma praça de guerra: estudan­tes, profissionais liberais e até trabalhadores se prepara­vam para a luta; as mulheres, "senhoras da alta socie­dade", se ofereciam para seguir para as frentes de batalha; fábricas transformavam-se, do dia para a noite, em pro­dutoras de armas e munições e as patrióticas campanhas, como a do Ouro Para o Bem de São Paulo, procuravam levantar os recursos necessários para a luta.
O núcleo militar dos paulistas estava sob o comando dos generais Bertoldo K1inger e Isidoro Dias Lopes, auxi­liados pelo coronel Euclides Figueiredo e era constituído pela tropa da Força Pública do Estado de São Paulo e por tropas federais rebeladas.
Entretanto, foi tudo inútil, pois Vargas fechou as fron­teiras paulistas valendo-se de forças policiais, batalhões provisórios e de forças do Exército do Sul e do Norte, sufocando as comunicações e bloqueando as possibilida­des de abastecimento. A "grande Revolução" transfor­mou-se numa pequena guerra de trincheiras, que durou apenas três meses.
Nos principais confrontos armados as forças lega­listas, comandadas pelo general Góis Monteiro, consegui­ram vitórias decisivas; no início de outubro os revolu­cionários aceitavam os termos da rendição. Os generais K1inger e Isidoro Dias Lopes e os principais responsáveis pelo governo revolucionário de São Paulo se renderam em Cruzeiro, daí seguindo para o Rio de Janeiro como prisio­neiros. Euclides Figueiredo não se rendeu; com alguns companheiros fugiu para o Sul num barco de pesca, onde foi capturado pela Marinha e em seguida exilado em Portugal, juntamente com Artur Bernardes, Júlio de Mes­quita Filho, Bertoldo K1inger e Pedro de Toledo. A paci­ficação completou-se quando Armando de Sales de Oliveira (civil e paulista), diretor do jornal "O Estado de S. Paulo", foi nomeado interventor federal em São Paulo, em cuja administração foi criada a Universidade de São Paulo (25/01/1934).
Costuma se dizer que, não obstante a derrota dos pau­listas, o espírito da Revolução de 1932 prevaleceu, obten­do em 1934 a almejada Constituição.
Na verdade, a Revolução Constitucionalista de São Paulo não foi a explosão do sentimento liberal pelo Esta­do de Direito. Foi um ato deliberado e calculado da velha oligarquia visando à retomada do poder, do qual havia sido desalojada em 1930.

3. O Governo Constitucional (1934-1937)
A Assembléia Constituinte
As eleições para a Assembléia Constituinte foram realizadas, conforme programado, a 3 de maio de 1933. Uma novidade no tradicional método de representação era a inclusão de 40 deputados classistas (representantes eleitos pelos sindicatos profissionais) ao lado dos 214 deputados estaduais eleitos diretamente pelo povo.
A Assembléia Constituinte foi transformada na pri­meira Câmara de Deputados com poderes para eleger pelo voto indireto o presidente da República.
Instalada a 15 de novembro de 1933, sob a presi­dência de Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, a Assem­bléia Constituinte discutiu o anteprojeto elaborado por Góis Monteiro, Osvaldo Aranha e João Mangabeira, apro­vando-o em 16 de julho de 1934.
No dia seguinte, 17 de julho, foram realizadas as elei­ções para a escolha do presidente da República. Getúlio Vargas foi eleito por 175 votos, enquanto os outros candi­datos, Borges de Medeiros (59 votos), Góis Monteiro (4 votos) e mais 8 outros nomes receberam um voto cada.
No dia 20 de julho, Vargas foi à Assembléia sendo recebido com aplausos e pétalas de rosas. Prometeu publi­camente defender a nova Constituição, mas não refletiu sua opinião sobre o documento. Vargas deveria exercer seu mandato presidencial até 3 de maio de 1938.

A polarização ideológica
Quando, em julho de 1934, Vargas foi eleito presi­dente pelo Congresso, a situação estava longe de estabili­zar-se. As lutas regionais ainda prosseguiam. Havia amea­ças, de esquerda e de direita, ao regime. As próprias For­ças Armadas estavam divididas.
O Estado definira uma política conservadora em rela­ção aos operários e às camadas rurais, o que tranqüilizou os velhos grupos dominantes, especialmente os de São Paulo. Embora a política trabalhista de Vargas houvesse, de início, alarmado esses setores, acabou, por final, a acalmá-los, pois nem sequer tocou no problema da pro­priedade rural.
O modelo político instituído em 1934 seria transitó­rio. A tendência centralizadora esboçada em 1930 se afir­maria rapidamente, frente às radicalizações ideológicas de direita e de esquerda.
O chamado período constitucional de Vargas (1934 a 1937) foi marcado pelo aparecimento de duas forças ideológicas no Brasil: a Aliança Nacional Libertadora (ALN) de tendências esquerdizantes e a Ação Integralis­ta Brasileira (AIB) de caráter fascista. Enquanto isso, a política de Vargas vai se mostrando cada vez mais centra­lizadora e autoritária, até o desfecho final em novembro de 1937, quando Vargas implantou a ditadura do Estado Novo.
A Ação Integralista Brasileira
Liderada pelo jornalista Plínio Salgado, a Ação Inte­gralista Brasileira era fundamentalmente um movimento social e político de orientação fascista e reivindicava um governo ditatorial com um partido único e um chefe único.
As paradas de "camisas-verdes" (integralistas) eram um espetáculo comum. Por toda parte, viam-se integralis­tas cumprimentando-se no seu estilo habitual: com o braç­o direito erguido e a saudação indígena "Anauê". Crescia cada vez mais o número dos que juravam lealdade a Plínio e a seu lema "Deus, Pátria e Farrníla".
Os integra1istas tinham esperança de que um dia o Brasil tivesse um único partido nacional - o seu - e que, a partir desse dia, não haveria mais eleições diretas.
A AIB pretendia estabelecer o Estado totalitário ou integral estruturado mediante as corporações, representa­tivas das profissões, em uma rígida hierarquia sob o con­trole do Chefe, subordinando todos os elementos à cons­trução do ideal de nação identificada com o próprio Esta­do.
A AIB era apoiada por muitos representantes das Forç­as Armadas e sobretudo pela Igreja Católica.

A Aliança Nacional Libertadora (ANL)
Uma tradição oral que vem do Estado Novo identifica a Aliança Nacional Libertadora, fundada em março de 1935, com o Partido Comunista. Há aí uma simplificação. Na verdade, a ANL correspondeu ao encontro de algumas correntes ideológicas que até então haviam seguido caminhos independentes e mesmo opostos: tenentismo esquerdizante, socialistas, comunistas e outros.
As reivindicações básicas da ANL eram:
1) suspensão definitiva do pagamento das dívidas externas "imperialistas" do Brasil;
2) nacionalização de todas as empresas estrangeiras;
3) proteção aos pequenos e médios proprietários e la­vradores; entrega das terras dos grandes proprie­tários aos camponeses e trabalhadores rurais que as cultivam;
4) gozo das mais amplas liberdades populares pelo povo brasileiro;
5) constituição de um governo popular.

No dia 5 de julho de 1935, aniversário das revoltas de 1922 e 1924, Luís Carlos Prestes, líder da ANL, pronun­ciou violento discurso denunciando o fracasso de Vargas ante os ideais de 1922. O discurso terminou com o grito:
"Abaixo o governo odioso de Vargas! Abaixo o fascismo! Por um governo popular nacional revolucionário! Todo o poder à Aliança Nacional Libertadora!"
A reação governamental foi imediata. O chefe de Polícia do Rio de Janeiro, Filinto Müller, revelou em seu relatório ao ministro da Justiça as ligações da ANL com os grupos comunistas internacionais.
A 12 de julho, com base na Lei de Segurança Nacio­nal, recém-decretada, determinou-se o fechamento da sede da ANL por seis meses e muitos de seus líderes foram presos.
Enquanto isso, outros membros da ANL conduzidos por Prestes, secretamente conspiravam a revolta que redundaria na Intentona Comunista.

4. O Estado Novo (1937-1945)
Por sucessivas prorrogações da Câmara dos Deputa­dos, o Brasil viveu em estado de emergência, logo equipa­rado a estado de guerra, de novembro de 1935 a junho de 1937. A criação de um clima de tensão justificava os pedidos. O estado de sítio, inicialmente foi concedido por 30 dias; antes de seu término o governo pediu prorrogação de 90 dias e a autorização para equiparação a estado de guerra. Isso se devia ao exagero e à amplificação da amea­ça comunista. Em 1936, enquanto prosseguia a "caça aos comunistas", os políticos preparavam-se para a eleição presidencial marcada para 3 de janeiro de 1938. Em meados de 1937 já estavam definidos os candidatos. Armando de Sales Oliveira, governador de São Paulo, autêntico porta-voz do constitucionalismo liberal, era apoiado pela União Democrática Brasileira. Outra candi­datura era a de José Américo de Almeida, um antigo tenentista, romancista e político da Paraíba. Era, de modo geral, considerado candidato do governo, apesar de Getúlio não se pronunciar sobre o assunto.
Os integralistas, em junho de 1937, apresentaram a candidatura de seu líder, Plínio Salgado. Desenvolveram intensa propaganda, pela imprensa e pelo rádio, onde se propunham a salvar a democracia por meio da autoridade integralista. Afirmando que se inspirava em Cristo, Plínio Salgado declarava: "Por Cristo quero um grande Brasil! Por Cristo vos conduzo! Por Cristo batalharei".
A impressão era de que Getúlio havia perdido o controle da situação e era obrigado a "engolir" essas candidaturas. No Palácio do Catete, porém, a conspiração avançava. No dia 30 de setembro, os jornais e estações de rádio de todo O País alarmaram o povo com informações sobre a descoberta do Plano Cohen. O texto do docu­mento encheu as páginas dos jornais, acompanhado pela mensagem do ministro da Guerra: a visão da tomada vio­lenta do poder pelos comunistas, em que as igrejas seriam queimadas e centenas de pessoas massacradas, apavoravam a população.
As versões sobre a origem do Plano Cohen são as mais variadas. Segundo o historiador John W. Foster Dulles, "um capitão integralista (Olímpio Mourão Filho) tinha sido encontrado datilografando um Plano Comunis­ta no gabinete de um oficial do Estado-Maior (Góis Monteiro)".
Durante o mês de outubro, os preparativos para o golpe arquitetado pela cúpula governamental foram acele­rados. O mineiro Francisco Campos preparava já algum tempo, o esboço de uma nova Constituição. O general Eu­rico Gaspar Dutra persuadia o Alto-Comando das Forças Armadas a assinar uma declaração de apoio à mudança de regime. O deputado Negrão de Lima foi enviado com a missão de convencer os Estados indecisos a apoiarem medidas federais mais fortes. Os integralistas organiza­ram um impressionante desfile de 50.000 "camisas-ver­des" para "afirmar sua solidariedade com o presidente da República e com as Forças Armadas, na luta contra comunismo e a democracia anárquica e para proclamar os princípios de um novo regime." O discurso que Plínio Salgado proferiu nessa ocasião marcou sua retirada da competição pela Presidência: "Desejo ser não o presi­dente da República, mas simplesmente o conselheiro d meu País."
Tudo estava pronto.
Na madrugada chuvosa de 10 de novembro de 1937, as portas do Senado e da Câmara dos Deputados estavam fechadas e guardadas por soldados, que impediram a entrada dos legisladores.
Não houve muitos protestos. Oitenta congressistas fe­derais enviaram congratulações a Vargas. Somente seis expediram mensagem de protestos. Um dos poucos mili­tares que se opôs ao golpe foi o coronel Eduardo Go­mes; outros opositores foram Júlio de Mesquita Filho e Armando de Sales Oliveira.
Nesta mesma manhã entrou em vigor a Constituição de 1937.
À noite Vargas falou à Nação pelo rádio, do Palácio a Guanabara, anunciando e justificando o novo regime.
O golpe fora dado, o Estado Novo estava instaurado.

A organização política do Estado Novo
Preparada desde fins de 1936, a Constituição de 1937 foi chamada de "A Polaca", por ter sido inspirada na Constituição autoritária da Polônia. A nova Carta Magna beneficiava-se de muitos elementos da Constituição de 1934, alguns deles tirados da Carta del Lavoro e da Constituição fascista italiana. O trabalho de Francisco Campos era uma mistura de fórmulas fascistas, naciona­listas e até mesmo liberais (estas últimas como solução de camuflagem).
O presidente (com mandato de 6 anos) seria a autoridade suprema da Nação e a preponderância do Po­der Executivo facultava-lhe legislar através de Decretos-Leis. A Constituição continha disposições sobre salário mínimo, horas de trabalho, férias etc. Proibia greves e instituía a pena de morte. Os recursos minerais, fontes de energia, bancos, companhias de seguro e as indústrias de base foram nacionalizados.
A palavra escrita ou oral era passível de censura, exercida pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), do Ministério da Justiça.
Todas as lojas, restaurantes e outros locais de negócio deviam exibir a fotografia de Vargas, que preferia ser chamado de "Presidente" em vez de "Ditador".
Os principais órgãos surgidos durante o Estado Novo foram: DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) de caráter aparentemente burocrático, encarregado de supervisionar os interventores nos Estados, além de funcionar como cabide de empregos; e o DIP (Departam­ento de Imprensa e Propaganda), grande arma ideo­lógica do Estado Novo, atuando como órgão de censura, planejando a propaganda de governo e controlando a opi­nião pública. A ação de propaganda do governo incluía a “Hora do Brasil", que os inimigos do regime chamavam "Hora do Silêncio".

O “Putsch" Integralista
Com o advento do Estado Novo, os integralistas pensavam, erroneamente, que iriam ser os beneficiados pelo novo governo. No entanto, Vargas, desde o começo da ditadura, mostrou que não tinha nenhuma inclinação para “camisas-verdes". Além de tudo, Getúlio queria pro­ver um forte vínculo de lealdade do povo para com o “Brasil Unido"; lealdade não a grupos nem a lemas propostos por Plínio Salgado.
Em dezembro de 1937, os partidos políticos foram suprimidos, assim como o uso de uniformes, estandartes, distintivos e outros símbolos, o integralismo era posto fora da lei. As decisões nacionalistas do presidente e do ministro da Justiça afetaram também as colônias estrangeiras: italiana, japonesa e alemã. Os diretores de jornais de língua alemã foram convidados a abandonar a propaganda hitlerista. Tornou-se obrigatório o ensino primário em língua portuguesa.
As atitudes do governo levaram os integralistas a prepararem o golpe de maio de 1938. O preparo contou também com a colaboração de alas liberais dissidentes e militares descontentes - Otávio Mangabeira, Júlio de Mesquita Filho (que em janeiro de 1938 foram presos por atividades subversivas), coronel Euclides Figueiredo, Au­reliano Leite e general Castro Júnior.
O grupo de conspiradores, liderado pelo tenente Se­vero Fournier, planejou um ataque ao Palácio Guanabara na noite de 10 de maio. Por motivos vários, o que quase sempre acontece nesse tipo de "quartelada", o plano não pôde ser seguido à risca pois os assaltos aos quartéis, ao Ministério da Marinha, a chefes políticos e generais haviam fracassado antes de haverem começado, pelo pavor que se apoderou dos assaltantes. Mas o ataque ao Palácio Guanabara, onde residia Getúlio, foi levado a efeito com violência, embora com pouca decisão, pois não conseguiram superar a minguada resistência que lhes foi oposta. Cercados, os insurretos abandonaram as armas, tratando de fugir pelos morros vizinhos. Muitos foram presos e sumariamente fuzilados nos fundos dos jardins do palácio.
Severo Fournier acabou entregando-se às forças governamentais. Condenado há dez anos de prisão, morreu tuberculoso, antes de cumprir toda a sentença.
Plínio Salgado, refugiado em uma fazenda do interior de São Paulo, foi convidado, em 1939, a abandonar o País, partindo para Portugal, onde se dedicaria ao ensino na Universidade de Coimbra. Armando de Sales Oliveira e Júlio de Mesquita Filho (diretores de "O Estado de S. Paulo") - democratas irrecuperáveis - foram induzidos. a deixar o Brasil. Partiram para a França, onde denunciaram a ditadura brasileira.
No Brasil, o jornal de Mesquita, "O Estado de S. Pau­lo", tentava continuar a luta contra Vargas, a despeito da censura - usando, por exemplo, o termo "interventor fede­ral" sem iniciais maiúsculas. Mas, em março de 1940, o governo se apoderou do jornal e transformou-o no porta-voz do regime.

O Brasil na Segunda Guerra Mundial
No final da década de 30, delineava-se no cenário in­ternacional o quadro de antagonismos que levaria à II Guerra Mundial. De um lado, os regimes fascistas euro­peus (Alemanha e Itália); de outro, as democracias oci­dentais, lideradas pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França.
Do ponto de vista estratégico, o extenso litoral brasi­leiro era um ponto nevrálgico cobiçado tanto pelos Esta­dos Unidos como pela Alemanha. Por outro lado, é impor­tante lembrar a existência, no Brasil, de significativos núcleos alemães e italianos, engajados no movimento político de seus países de origem. A Alemanha defendia os interesses desses grupos, enquanto os Estados Unidos pressionavam o Brasil no sentido de cercear a infiltração nazi-fascista.
A política externa de Vargas, nessa delicada questão, dirigia-se no sentido de tirar o máximo proveito tanto dos Estados Unidos, como das potências do Eixo. Um exem­plo elucidativo do duplo jogo de Vargas foram as viagens em janeiro de 1939 de oficiais da FAB à Alemanha (onde foram efusivamente recebidos por Goering e Hitler) e de Osvaldo Aranha aos Estados Unidos, para discutir as­suntos financeiros. Meses depois, o Brasil era visitado pelo general Marshall (chefe do Estado-Maior do Exér­cito Norte-Americano) e por Edda Ciano (filha de Mussolini).
O duplo jogo de Vargas era uma forma de aproveitar as possibilidades da conjuntura mundial para consegui: recursos para a implantação de indústrias de base r Brasil. Assim, em maio de 1940, quando chegou a Washington a notícia de que o grupo Krupp, da Alemanha, estava disposto a construir a usina siderúrgica reivindicada pelos brasileiros, o Export-Import Bank (Eximbank) dos Estados Unidos, adiantou-se, aprovando o financia­mento norte-americano para o projeto. A Usina Siderúr­gica de Volta Redonda começou a ser construída em 19 graças, a um empréstimo de 45 milhões de dólares.
A posição política de Vargas não se definira ainda. ,'­tomava medidas para a contenção do nazismo no Brasil por outro lado, discursava a bordo do "Minas Gerai louvando as vitórias de Hitler. Segundo sua filha Alzira. objetivo do ditador era forçar os Estados Unidos a concluírem os acordos para a construção de Volta Redonda. Getúlio achava que Estados Unidos demonstrariam maior in­teresse pelo Brasil, se pairasse no ar al­guma dúvida sobre a posição internacio­nal do País.
Conseguindo assim preservar sua neu­tralidade, mantendo-se parcialmente afastado da Segunda Guerra Mundial de 1942, o Brasil rompeu relações diplomá­ticas com o Eixo (Alemanha, Itália e Ja­pão), após a II Reunião de Consulta dos Chanceleres americanos, realizada no Rio de Janeiro, em janeiro de 1942.
O afundamento de navios brasileiros por submarinos, presumivelmente ale­mães, determinou a declaração do estado de guerra entre o Brasil e as potências do Eixo. A contribuição brasileira ao esforço de guerra dos Aliados efetivou-se através da instalação de bases aéreas e navais no Nordeste brasileiro e do fornecimento de gêneros e matérias-primas para as tropas aliadas, além da participação direta no conflito, através da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e de um grupo de caça da FAB (Força Aérea Brasileira).
Devido à guerra, o Brasil foi vítima de todo o tipo de pressão inflacionária, e o custo de vida subiu muito, comparado com os padrões dos anos do pós-guerra. Por outro lado, o retomo de nossas tropas trouxe também a certeza da insustentação da ditadura de Vargas. A vitória dos Aliados sobre o Eixo significou a vitória das democracias e o questionamento da ditadura de Vargas.

A redemocratização do País
A derrubada de Vargas em 1945, pelas mesmas forças que o haviam levado ao poder absoluto, quando do Golpe de Estado de 1937, deve ser entendida como mais uma manobra política de acomodação ou, em outras palavras, a atualização institucional. As bases dessa "atualização" estão relacionadas com a queda do totalitarismo europeu. A queda do fascismo italiano em 1943 estabe­lecera um marco na mudança da linha política de Vargas. A vitória final dos Aliados estabeleceu o questionamento da ditadura.
Vargas já percebera, desde 1943, que o fim da guerra e a derrota do Eixo colocariam um fim em sua ditadura. Getúlio procurou assim legitimar ideologicamente o seu regime, através da aproximação das massas urbanas. A partir de então, a política populista de Vargas acionou todos os seus mecanismos: peleguismo (política sindical a serviço dos interesses do governo); política trabalhista (Consolidação das Leis do Trabalho).
O ano de 1943 foi marcante pelos sintomas de abertur­a democrática: Vargas prometeu eleições para o fim da guerra. Em outubro do mesmo ano, tomou-se público o Manifesto dos Mineiros: timidamente, os assinantes do manifesto - entre eles Magalhães Pinto - exigiam a redemoc­ratização do País. Em janeiro de 1945, os protestos começaram a se avolumar: o Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores pedia liberdade de expressão e elei­ções livres. Em 28 de fevereiro, Vargas, através de um Ato Adicional, assegurava as eleições a serem marcadas em prazo de 90 dias, com sufrágio universal (excluindo-se os analfabetos). As eleições foram marcadas para 2 de dezembro do mesmo ano, com a campanha eleitoral ganhando vulto e animação, pelo surgimento dos partidos políticos
A UDN (União democrática Nacional) foi o primeiro partido político a surgir, dentro da reabertura do processo político, já em abril. Agrupava a oposição liberal a Vargas, radicalizando-se na luta contra o comunismo. Apoiava, para a sucessão presidencial, o nome do brigadeiro Eduar­do Gomes.
Em junho foi lançado o PSD (Partido Social Demo­crático) - o partido dos interventores - liderado por Be­nedito Valadares e que apoiava a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra.
O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) surgiu em agosto, organizado pelo Ministério do Trabalho e presi­dido pelo próprio Vargas.
Plínio Salgado fundou o PRP (Partido de Represen­tação Popular), que conservava algumas linhas políticas do integralismo.
Houve também a legalização do PCB (Partido Comu­nista Brasileiro), que lançou um candidato próprio à Pre­sidência, o engenheiro Yedo Fiúza.
O populismo de Vargas atingiu o seu auge em 1945 com o queremismo. As massas populares foram agitadas por lideranças trabalhistas e comunistas e passaram a exi­gir a permanência do ditador, aos gritos de "queremos Getúlio". Isto acelerou sua queda, uma vez que as oposi­ções o acusavam de querer permanecer no poder.
Outros elementos apressaram o fim do Estado Novo: o discurso do embaixador norte-americano Adolf Bearle Jr. (29/09/1945), aconselhando a normalização do proces­so eleitoral; um decreto antitruste (que contrariava violen­tamente os interesses estrangeiros) e o célebre decreto-­pretexto (nomeação do irmão de Getúlio, Benjamin Var­gas, para o cargo de chefe da Polícia do Distrito Federal).
Pretextando a ameaça de uma "guinada" de Vargas para a esquerda, em função de sua política populista, os generais Eurico Gaspar Dutra e Góis Monteiro colocaram um fim na ditadura, através de um golpe militar, na noite de 29 de outubro de 1945. Assumiu interinamente o poder o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares.
O resultado das eleições deu a vitória ao candidato representante do PSD / PTB - Eurico Gaspar Dutra ­eleito com 3.251.000 votos, contra 2.039.000 de Eduardo Gomes (UDN) e 579.000 de Yedo Fiúza (PCB).

A ECONOMIA E O DESENVOLVIMENTO NA SEGUNDA REPÚBLICA
1. Introdução
Desde a Revolução de 1930, o nacionalismo econômico tomara-se o centro da política econômica brasileira. Isso pode ser explicado em virtude da crise do setor agroexportador, e pela necessidade de atender às aspirações dos setores sociais urbanos, muito sensíveis às aspirações nacionalistas.
Em 1929, a lavoura cafeeira, ba­se da nossa economia, já se encontrava abalada por uma crise de superprodução. A Crise Mundial refletiu diretamente sobre a economia brasileira, diminuindo nossas exportações, aumentando nossos estoques de café e baixando o preço do produto, o que levou em 1931 à crise do café. Nesse clima eco­nômico, eclodira a Revolução de 1930.
O intervencionismo estatal na ordem econômica acentuou-se nos anos 30 e início da década de 40, esti­mulado depois da proclamação do Estado Novo, em 1937.
Procurou-se criar no País uma política econômica que permitisse impulsionar o desenvolvimento. O projeto de Vargas era levar o Brasil à modernização econômica, integrando-o no capitalismo industrial. Nesse sentido pode-se apontar na política de Vargas: 1930 - criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. 1931 ­Conselho Nacional do Café e Instituto do Cacau da Bahia. 1932 - Ministério da Educação e Saúde Pública. 1933 ­Departamento Nacional do Café e Instituto do Açúcar e do Álcool. 1934 - Conselho Federal do Comércio Exte­rior, Instituto Nacional de Estatística, Código de Minas, Código de Águas, Plano Geral de Viação Nacional e Instituto de Biologia Animal. 1937 - Conselho Brasileiro de Geografia e Conselho Técnico de Economia e Finanças. 1938 - Conselho Nacional do Petróleo, Depar­tamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Ins­tituto Nacional do Mate e Instituto Brasileiro de Geo­grafia e Estatística (IBGE). 1939 - Plano de Obras Públi­cas e Aparelhamento da Defesa. 1940 - Comissão de Defesa da Economia Nacional, Instituto Nacional do Sal e Fabrica Nacional de Motores. 1941 - Companhia Siderúrgica Nacional e Instituto Nacional do Pinho. 1942 - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). 1943 - Coordenação da Mobilização Econômica, Usina Siderúrgica de Volta Redonda, Consolidação das Leis do Trabalho, Serviço Social da Indústria (SESI). Plano de Obras e Equipamentos e I Congresso Brasileiro de Economia. 1944 - Conselho Nacional da Política de Desenvolvimento Industrial e Comercial e Serviço de Expansão do Trigo. 1945 - Superintendências da Moeda e do Crédito (SUMOC).

2. A política cafeeira
Em 1931, Vargas criou o Conselho Nacional do Café, substituindo em suas funções o Instituto do Café de São Paulo. Foi posta em prática a política de sustentação do produto, através da compra e queima parcial das safras. Entre 1930 e 1932, as compras de café atingiram o valor de 39% da receita de exportação, destruindo-se aproxima­damente 12,1 milhões de sacas, em operações financiadas por impostos, Banco do Brasil e Tesouro Nacional.
Por volta de 1937, adotaram-se medidas radicais visan­do à manutenção do equilíbrio dos preços. Partindo de um esforço gigantesco, prosseguiu o governo a política de compra e queima de excedentes. A queima de 17,2 mi­lhões de sacas de café, em 1937 e nos anos que se se­guiram, contribuiu para melhores preços, principalmente a partir da fixação das taxas de exportação para os EUA, em 1940.
Capitais que antes eram investidos no setor cafeeiro foram desviados para outros setores importantes da agricultura, como por exemplo o algodão.

3. A industrialização
Vários fatores alinham-se na explicação do impulso dado à industrialização do Brasil, na Era de Vargas.
A guerra, em que se envolveram os nossos principais fornecedores de artigos industrializados, contribuiu dire­tamente para a redução da oferta desses bens, em cerca de 40%.
Isso propiciou a substituição das importações pelo fornecimento das indústrias locais, em desenvolvimento. Ao lado dessa situação conjuntural, podemos citar a gran­de quantidade de matéria-prima - entre elas, o algodão, com a diversificação agrícola, elemento importante do surto industrial. A desvalorização da moeda, encarecendo ­as importações, e o crescimento do mercado consumidor urbano completaram o quadro de fatores ligados ao processo de industrialização do Brasil nesse período.
Aliados aos elementos acima dispostos, surgiram as medidas inovadoras de Vargas, elaboradas dentro de um Plano Qüinqüenal em 1939. Uma usina de aço, fábricas de aviões, usina hidrelétrica em Paulo Afonso eram alguns dos itens constantes do Plano. Em 1942, quando se tomaram amistosas as relações Brasil/EUA, e após a espetacular manobra de Vargas junto ao Departamento de Estado americano, teve início com empréstimos do Eximbank a aplicação de investimentos estatais em indústrias de base. Em 1941, instalou-se a Usina de Volta Redonda, criando-se a Companhia Siderúrgica Nacional. Ansioso por "colaborar" no esforço de mobilização de Vargas, o governo norte-americano enviou ao Brasil a Missão Técnica de Moris Llewellyn Cooke, em 1942, que culminou com a realização em nível de infra-estrutura, instalando-se a Cia. Vale do Rio Doce e a Hidrolétrica de Paulo Afonso. Vargas garantia assim o controle da matéria-prima para a siderurgia e a iniciava a produção energética estatal.

4. A política do petróleo
Já no Governo Provisório (1933), esboçava-se a definição da política estatal no setor das riquezas minerais, consoli­dada em 1934 pelo Código de Minas. Em 1938, criou-se o Conselho Nacional do Pe­tróleo, organismo autônomo subordinado ao presidente da República. O governo de­clarava de utilidade pública toda a importação, transporte, distribuição e comércio de petróleo e derivados, em território nacional.
Garantia-se, assim, o programa de ampliação dos meios de transporte e de desenvolvimento industrial, procurando prover a distribuição, em todo o território nacional, de pe­tróleo e seus derivados, em condições de preço mais uni­formes possíveis.

5. A legislação trabalhista
Entre 1930 e 1937, iniciou-se a promulgação das leis sociais, atendendo às reivindicações trabalhistas dos ope­rários. Essas leis sociais que se acumulavam desde 1930, entravam, às vezes, em choque com a Constituição Fascista de 1937, e tomou-se necessário atualizar e codi­ficar todo esse conjunto. Em 1943, promulga-se a Conso­lidação das Leis do Trabalho. De forma geral, a política trabalhista de Vargas revelou os interesses das classes dominantes em estabilizar a camada operária e criar con­dições para a modernização industrial do País, buscando o reajuste das relações entre patrões e empregados. A política paternalista de Vargas tentou anular o operariado, transformando-o num setor controlado no jogo das forças sociais.


A CULTURA NA SEGUNDA REPÚBLICA
1. Introdução
Terminados os alegres anos 20, começavam os som­brios anos 30. A recessão mundial e a situação política na­cional e internacional favoreceram no Brasil a Revolução de 1930, consolidando o poder de Vargas. Os intelectuais cindiram-se entre o centrismo católico, a ordem fascista e as tendências socialistas. Tudo isso favoreceu o golpe de Estado (1937) que prolongaria o governo Vargas até 1945.
O movimento modernista rompeu de vez, separando nacionalistas críticos e acríticos. Entre os primeiros, Tar­sila do Amaral substituía as cores alegres de suas paisa­gens caipiras pelos tons terrosos da "Paisagem Proletária". E nascia o romance nordestino, social e regionalista, com os cangaceiros desesperados de José Lins do Rego (1901-1957), a Bahia romântica e rebelde de Jorge Ama­do, a angústia da seca e da vida interiorana esboçados por Graciliano Ramos (1892-1953).
Parte dos nacionalistas deixou-se atrair pela retórica do regime. Vila-Lobos, por exemplo, defendeu sincera­mente a obra de Vargas, mesmo depois de sua queda. A "Sinfonia Brasileira" que compôs exprimia a idéia de grandeza nacional, como era concebida no período.
Outros artistas, finalmente, por identificarem Vargas com o fascismo, sem maiores sutilezas, mantiveram-se distantes, empenhados na construção de uma lírica pró­pria, como ocorreu a Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes.
À margem da polêmica política, manteve-se tão-so­mente a arquitetura, talvez porque seus impulsos moder­nizadores só tivessem ocorrido após a ascensão de Vargas ao poder. De fato, só em 1929 é que Le Corbusier intro­duziu no Brasil o conceito de funcionalidade e idéias sobre a "máquina de morar"; Lúcio Costa, nomeado dire­tor da Escola Nacional de Belas Artes em 1931, aderiu à tendência imprimindo-lhe suas próprias concepções, com as quais veio a criar o edifício do Ministério da Educação (1939), que revolucionaria os rumos da arquitetura nacional.
Em 1939 Oscar Niemeyer associou-se a Lúcio Costa no projeto para a construção do pavilhão brasileiro na feira internacional de Nova York. Décadas depois, a mesma dupla de arquitetos projetaria a cidade de Brasília (inaugurada em 1960), levando às últimas conseqüências as idéias dos anos 40. Nesses anos, contudo, Niemeyer limitava-se a testar a elasticidade do concreto armado em obras como o Corsino e a Igreja de Pampulha (Minas Gerais), em cuja decoração o pintor Cândido Portinari (1903-1962) recorreria à tradição colonial, empregando o ladrilho pintado com cenas bíblicas (no Ministério da Educação, já se usaram azulejos decorados).
A vitória das democracias na II Guerra Mundial condenou ao fracasso o regime ditatorial de Vargas, que em 1945 era apeado do poder. A queda de Vargas foi seguida por um período de intenso desenvolvimento cultural e artístico.

2. A Literatura
A partir de 1930, o Modernismo brasileiro entrou em nova fase. A poesia afastou-se do primitivismo e nacio­nalismo, predominantes entre 1922 e 1930, e volta-se agora para questões relativas à existência humana. Tam­bém a construção formal passa por uma série de transfor­mações; restauraram-se formas poéticas tidas como ultra­passadas: o soneto, os versos longos e o recurso às rimas. Sobressaem, nessa nova fase do Modernismo, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Vinícius de Morais.
Carlos Drummond de Andrade, considerado um dos maiores poetas da literatura nacional, caracteriza-se pela capacidade de recriar em seus versos as vivências do cotidiano, num tom ao mesmo tempo lírico e humorístico, Sob a influência da II Guerra Mundial, abandona o traço irônico de suas primeiras obras e evolui para uma poesia participante, incorporando o "Sentimento do Mundo". A essa fase de Drummond pertencem as coletâneas "Senti­mento do Mundo" (1940), "José" (1942) e "Rosas do Povo" (1945).
Enquanto Drummond expressa de forma dramática o drama coletivo, Cecília Meireles (1901-1964) representa o ponto alto da poesia intimista. Suas obras "Nunca mais..." e "Poema dos Poemas" (1923) e "Baladas para El-Rei" (1925) revelam a influência neo-simbolista; mas, a partir de "Viagem" (1939), sua poesia se liberta dos esquemas anteriores e ganha força inovadora. Nesse momento, deli­neiam-se com nitidez as características literárias que serão constantes em sua obra: técnica esmerada, misticismo e universalismo. Empenhada em alcançar o máximo de perfeição, Cecília Meireles não vacila em utilizar recursos tradicionais, como no "Romanceiro da Inconfidência", onde articula, de forma original, elementos líricos e épi­cos para reconstituir o clima de tragédia inerente a esse episódio da História do Brasil.
Como Cecília Meireles, Vinícius de Morais (1913-­1980) iniciou sua obra poética influenciado pelo Neo-Simbolismo. Dessa fase são "O Caminho para a Distân­cia" (1933), "Forma e Exegese" (1935) e "Arina, a Mu­lher" (1936), nas quais já transparece a temática de fundo erótico que percorrerá toda a sua produção poética. Com a publicação de "Cinco Elegias" (1943), a força sensual de sua poesia se acentua e encontra expressão através de uma linguagem livre e direta. Após 1945, sua linguagem e sua temática vão ganhando novos contornos, sua poesia se amplia, adquirindo conotação social e política.
O ano de 1930 marca o início de uma nova fase tam­bém na ficção brasileira. Passado o período experimental do Modernismo, a prosa segue novos caminhos, acom­panhando as mudanças políticas e sociais do País. Uma das mais fecundas tendências literárias da época foi o romance nordestino. Armados de rigorosa consciência crítica e adotando um estilo neo-realista, os prosadores ligados ao romance nordestino analisam a realidade social e os problemas do homem do Nordeste. Seu ponto de partida é a publicação de "A Bagaceira" (1928), romance regionalista do paraibano José Américo de Almeida.
José Lins do Rego (1901-1957), baseado nas recor­dações da infância e da adolescência passadas no engenho do avô, traçou um vasto painel da decadência da aristo­cracia açucareira, quando o primitivo engenho de açúcar foi substituído pela usina moderna. O "ciclo da cana-de-açúcar", como ficou conhecida parte da obra de José Lins do Rego, é formado por seis romances que alcançam sua maior expressão literária em "Fogo Morto". Uns do Rego também abordou outros aspectos da vida nordestina, co­mo o messianismo ("Pedra Bonita", 1938) e o cangaço ("Cangaceiros", 1953), elementos que compõem a saga da região.
O movimento mais significativo da ficção nordestina está na obra de Graciliano Ramos (1892-1953). Com­põem sua produção literária quatro romances, contos, crô­nicas, narrativas populares, recordações da infância e me­mórias ligadas à sua experiência de vida, com a paisagem física e social da re­gião agreste do Esta­do de Alagoas, mun­do em que se desen­rola o drama de seus personagens. Seu ro­mance de estréia foi "Caetés" (1933). A essa obra seguiu-se "São Bernardo" (1934). "Angústia" (1936) e "Vidas Secas" (1938).
Ainda dentro do romance nordestino ganha importância a obra de Jorge Ama­do, o romancista bra­sileiro mais conheci­do no Exterior. Rea­lismo crítico e lirismo romântico, documento e fantasia unem-se ao humor, para compor seu mundo artístico, alicerçado na diversidade da vida social da Bahia. No chamado "ciclo-do-cacau", Jorge Amado registra a saga da luta pela posse da terra no início da lavoura cacaueira, "terra adubada com sangue", que tem em "Terras do Sem-Fim" (1942) sua expressão mais perfeita. Em "Suor" (1933), "Cacau" (1937) e "Capitães de Areia" (1937), manifesta preocupação com os oprimi­dos e clama por justiça social. Em "Jubiabá" (1935) e "Mar Morto" (1936), introduz um clima de magia e senti­mentalismo lírico, atitudes revolucionárias, sincretismo religioso e tragédia ligada à vida do mar.
É ainda na década de 30 que a produção literária do extremo sul do Brasil passa a ocupar um lugar de desta­que no panorama literário brasileiro, com a ficção de Éri­co Veríssimo (1905-1975). Numa primeira fase, represen­tada pela temática urbana, girando em tomo dos dramas da pequena burguesia, Érico Veríssimo escolhe como ambiente a capital da província ou pequena cidade do interior. Nessa linha temática, estrutura "Clarissa" (1933), "Música ao Longe" (1935), "Olhai os Lírios do Campo" (1938), "Saga" (1940) e "O Resto é Silêncio" (1943), ro­mances nos quais os mesmos personagens aparecem e desaparecem segundo as necessidades do desenvol­vimento da história.

3. A Pintura
Após a Semana de Arte Moderna
O período de crise econômica internacional do início dos anos 30, coincidindo com a ascensão de Vargas ao poder abriu novos caminhos à produção artística pelo enriquecimento de sua temática. A preocupação que sur­giu em todos os meios com o operário e com o homem do campo levou os pintores a transportá-los para as suas te­las. Sem grandes cuidados de ordem formal, passou-se a focalizar o cotidiano das cidades, dos subúrbios e as festas populares do interior.
As novas tendências mostradas na Semana de Arte Moderna se desenvolveram e se firmaram. No entanto, o público freqüentador de exposições permaneceu hostil às novidades. As reações agressivas do público, o não amparo da crítica e as promessas não cumpridas acabaram por abafar e desanimar os novos artistas brasileiros. Anita Malfatti, a grande esperança do expressionismo brasi­leiro, depois de duramente criticada por Monteiro Lobato, passou a ser pintora de modestas telas folclóricas. Tarsila do Amaral, criticadora da plástica do antropofagismo, depois de ver suas telas serem recusadas acabou por mudar seu estilo para torná-lo mais aceitável e compreen­sível do público. Antônio Gomide sobreviveu abrindo uma escola de pintura para moças em expectativa de casamento. Vicente do Rego Monteiro, depois de grande sucesso em Paris, quando voltou ao Brasil, apresentou suas telas em Recife, obtendo fracasso total; acabou montando um engenho e produzindo a pinga Guaratá.
Apesar deste quadro desolador, alguns artistas não esmoreceram. Flavio de Carvalho, pintor de estilo ex­pressionista, organizou os Salões de Maio, a partir de 1937, na tentativa de angariar freguesia para a idéia modernista. Com esta mesma intenção, o arquiteto Lúcio Costa realizou no Rio de Janeiro uma exposição coletiva de artistas modernos.
Ismael Néri também se recusou a abandonar seus propósitos modernistas. Personalidade excepcional, o contato com Paris contribuiu de maneira decisiva para a definição de sua pintura: captação de intimidades espiri­tuais, sonhos e marcações de caracteres. Suas pinturas são mais desenhos fantásticos, com melancolia e pesadelos.
A ação de Emiliano Di Cavalcanti se traduz na pintura de raça, cuja surpreendente poética exalta a mula­ta, produto da miscigenação das etnias coloniais.

Os pintores dos anos 40
Cândido Portinari foi o grande destaque entre os pintores dos anos 40, criando uma figuração onde expres­sou os sentimentos humanos que mais o preocuparam. Pintou a terra, as aldeias, os meninos numa animada "pe­lada" de bola de meia, os retirantes, os dramas e as ale­grias populares. Pintor também alegórico (exemplo é sua tela Tiradentes), Portinari foi o autor de "Guerra e Paz", na sede da ONU e "Descoberta e Colonização", na Biblio­teca do Congresso em Washington. Em 1935, sua tela Café obteve a segunda menção honrosa na I Exposição Internacional de Arte Moderna, realizada nos Estados Unidos. O estilo de Portinari é bastante pessoal, apesar da utilização de recursos cubistas e expressionistas.
Em São Paulo, teve atuação um círculo de pintores apelidado de Grupo Santa Helena (num edifício com es­te nome, alguns deles tinham atelier), como Alfredo Vol­pi, Francisco Rebolo Gonzales, Mário Zanini, Paulo Rossi Osir, Fúlvio Pennacchi, Joaquim Lopes Figueira Júnior e outros. De todos, destacou-se Volpi, que soube acompanhar os tempos mediante mutações lógicas e boa intuição. Colorista de gosto, pintou paisagens, aldeias e exaltou-se em solenes telas repletas de bandeirinhas, o mesmo espírito do povo que enfeita as ruas nos dias de festa.

4. A Arquitetura
O primeiro agrupamento de arquitetos brasileiros em torno de novas idéias ocorreu no Rio de Janeiro, a partir da década de 30. O ensino da Arquitetura, ministrado na Escola Nacional de Belas-Artes, passou por uma total reformulação, graças, em grande parte, à presença renova­dora de Lúcio Costa. Por outro lado, as visitas de Le Corbusier ao Rio de Janeiro e a divul­gação de suas concepções funcionalistas contribuíram para o surgimento de obras marcadas por uma grande preocupação plástica, traduzidas nos critérios de composição e nos sistemas estruturais de concreto armado, que seguem uma orien­tação funcional. A sede da Associação Brasileira de Imprensa, projetada pelos irmãos Mílton e Marcelo Roberto, é uma construção pioneira dessa época. Nesse edifício, pela primeira vez, são em­pregados racionalmente quebra-sóis de concreto armado, para moderar a luz e controlar o calor ambiente. Esses novos conceitos deram origem a várias outras obras representativas, como o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
Em São Paulo, a arquitetura moderni­zou-se com as soluções empregadas por Vital Brasil. Autor do primeiro prédio moderno e apartamentos em São Paulo - o Edifício Esther - construído entre 1935 e 1936, segundo as concepções racionalistas da nova arquitetura.
Oscar Niemeyer teve seu nome projetado defini­tivamente com sua obra em Minas Gerais. Em 1943, concebeu um conjunto de construções em torno do Lago da Pampulha, em Be­lo Horizonte. Essa obra é considerada a primeira criação inteiramente livre na moderna arquitetura brasileira. Desse conjunto da Pampulha faz parte a Igreja de São Francisco de Assis, que representa o nascimento da moderna ar­quitetura religiosa brasilei­ra.
Em 1942, estava concluído o edifício do Ministério de Educação e Cultura, considerado o marco inaugural da nova arquitetura brasileira. O risco original desse edifício pertence a Le Corbusier e foi desenvolvido com alte­rações que deram origem a novos conceitos de área livre na implantação urbana de prédios em lotes restritos. Essa obra marca a adoção dos princípios de Le Corbusier pelos arquitetos cariocas ali representados por Lúcio Costa (o líder), Oscar Niemeyer, Carlos Leio, E. Vasconcelos, Affonso Eduardo Reidy, Sérgio Bernardes e outros.

5. A Música A Música Eruditra
A partir da obra de Mário de Andrade - Ensaio Sobre a Música Brasileira (1928) -, começou a se delinear no Brasil duas tendências musicais; a primeira delas representada por aqueles que se apoiavam na obra de Mário de Andrade. Encabeçados por Camargo Guarnie­ri, aluno de Mário de Andrade, os principais represen­tantes dessa tendência, conhecida como "nacionalista", são: Luciano Gallet (1893-1931), Oscar Lorenzo Fernandes (1897-1948), Francisco Mignone, Radamés Gnattali e Guerra Peixe. Apresentando uma produção muito diversificada, esses autores tinham em comum a procura de uma linguagem nacional, que ao mesmo tempo não perdesse a característica universalista da linguagem musical.
Adotando uma postura estética radicalmente oposta, uma outra tendência começou a se afirmar no Brasil, a partir de 1939, como resultado, principalmente, do traba­lho efetuado por Hans Joachim Koellreuter, criador do "Grupo Música Viva". As idéias desse grupo - formado por Guerra Peixe, Cláudio Santoro, Eunice Catunda, Edino Krieger e outros - assentavam-se sobre a premissa do universalismo da linguagem musical, e seus adeptos apoiavam-se na utilização de recursos composicionais do atonalismo e do dodecafonismo. Estes compositores ini­ciaram um intenso trabalho de divulgação de suas idéias, que culminou com o lançamento, em 1946, do Manifesto Música Viva. Tempos depois, porém, Guerra Peixe e Cláudio Santoro abandonaram o "Grupo Música Viva" para adotar outras posições estéticas.
Com respeito à instrução musical no Brasil, a partir da década de 30 começaram os primeiros passos. Em 1931 a declamadora Helena Magalhães de Castro fun­dava a Instrução Artística do Brasil (IAB), com a fina­lidade de promover concertos em todo o território nacio­nal. Seus artistas eram itinerantes, percorriam vários pon­tos do País, e em cada cidade deixavam instalada uma IAB local.
Em 1932, Vila-Lobos foi nomeado Diretor da Supe­rintendência de Educação Musical e Artística (SEMA) da Prefeitura do então Distrito Federal. Neste mesmo ano, ele cria o Curso de Pedagogia da Música e Canto Orfeô­nico. Institui o Orfeão de Professores e realizou corais com milhares de jovens, chegando a reunir 44.000 elementos sob sua direção.
A necessidade de uma infra-estrutura, consis­tente na formação de ma­gistério especializado, le­vou-o à criação em 1942 do Conservatório Nacio­nal de Canto Orfeônico, pois fora decidida a in­trodução do ensino de música e canto orfeônico nas escolas do Distrito Federal.
A prática de suas idéias foi consubstanciada na Portaria Ministerial n° 300 de 1946, que orien­tava o ensino de música nas escolas secundárias.

Música popular
Juntando aos instrumen­tos herdados da tradição musical européia (violão, piano, flauta) e toda uma variedade rítmica produ­zida por frigideiras, cuícas e tamborins, a música popular se enriqueceu e alcan­çou na década de 30 sua "época de ouro". Para isso tam­bém contribuiu o rádio que, a partir dessa época, passa a se impor no Brasil como um poderoso veículo de comunicação de massas.
Destacou-se nesse período o compositor e instrumen­tista Alfredo Viana Filho, Pixinguinha (1898-1973). Ini­ciando sua carreira na década de 20, como integrante dos pequenos grupos orquestrais que acompanhavam os fil­mes mudos nos cinemas, organizou o conjunto Oito Ba­tutas, destinado a se exibir na sala de espera do Cine Pa­lais, no Rio de Janeiro. Flautista de talento e dono de só­lidos conhecimentos técnicos, Pixinguinha foi o autor do primeiro "choro orquestral". Capitalizando para a sua técnica a escrita orquestral da época, forneceu os dados básicos para a formação de uma linguagem instrumental caracteristicamente brasileira. Como solista de flauta, gra­vou várias músicas consideradas verdadeiras obras­ primas pelos críticos. Entre elas destacam-se "Carinho­so", "Teu Cabelo não Nega" e "Linda Morena".
Da mesma época, também, é o chamado compositor de Vila Isabel, Noel Rosa (1910-1937). Explorando temas sentimentais ("O Último Desejo"), o aspecto social ("O Orvalho Vem Caindo" e "Três Apitos") ou a caracteri­zação de tipos populares ("Conversa de Botequim"), Noel Rosa abriu caminho para a evolução temática da música popular. Sua influência se faz notar até hoje em vários cantores e compositores, como Chico Buarque de Holanda, Maria Bethânia e Martinho da Vila.
Um dos compositores populares brasileiros mais conhecidos internacionalmente Ari Barroso (1903-1964) também viveu "a época de ouro" da música popular. As composições de Ari Barroso caracterizaram-se pela elabo­ração metódica, pela ênfase dada ao aspecto rítmico e pela exaltação à terra brasileira, como se pode notar em sambas como "Aquarela do Brasil", "No Tabuleiro da Baiana", e outras. Suas obras obtiverem boa receptividade no Exterior, 1evando-o ao estabelecimento de vínculos com orquestras, gravadoras e com o cinema norte-­americano. O samba "Aquarela do Brasil" serviu de fundo musical para o desenho de Walt Disney "Alô, Amigos" que conta as aventuras de Zé Carioca. Entusiasmado com as músicas de Ari Barroso, Walt Disney mais tarde incluiu "No Tabuleiro da Baiana" e “Os Quindins de raia” no desenho "Os Três Cavaleiros". A ligação de Ari Barroso com o cinema norte-americano desencadeou uma série de críticas por parte dos nacionalistas da época. No entanto, Ari Barroso apenas refletiu o clima de ufanismo que então se vivia, não se podendo negar o seu importante papel na divulgação da música brasileira no Exterior. Essa divulga­ção se deu sobretudo através de sua principal intérprete, Carmen Miranda, que se tomou internacionalmente co­nhecida ao estrelar uma série de filmes em Hollywood.
Outros grandes nomes da música popular brasileira desta época foram Ismael Silva ("Se Você Jurar", "Para me Livrar do Mal", "Nem é Bom Falar" etc.), Ataulfo Alves ("Ai, que Saudades da Amélia", "A Você", "Mulata Assanhada" etc.) e Lamartine Babo ("No Rancho Fun­do", "Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda", "O Teu Cabelo Não Nega" etc.).

6. O Teatro
Em 1932, Joracy Camargo (1898-1973), do Teatro de Brinquedo, estréia sua comédia "Deus lhe Pague", interpretada por Procópio Ferreira. Sem grandes quali­dades dramáticas, a peça, no entanto, obteve êxito, pois refletia um estado de espírito da época, marcada por preo­cupações políticas provocadas pela crise econômica mun­dial.
A verdadeira renovação do teatro brasileiro se daria em 1933, quando Oswald de Andrade (1890-1954), um dos porta-vozes da Semana de 22, escreve "O Rei da Vela". A peça, que viria a ser encenada na década de 60, investe contra as imagens idealizadas e preconceituosas existentes na época sobre a cultura e a sociedade brasileira. Ao "O Rei da Vela" vieram se juntar "O Ho­mem e o Cavalo" (1934) e "A Morta" (1937). Anticon­vencionais e revolucionárias, as peças de Oswald de An­drade representam o que causaria, na ocasião, a grande transformação do teatro nacional. No entanto, não encon­traram encenadores, tendo sido apenas publicadas em livro.
O teatro brasileiro continuava carente de profundas mudanças formais e começaram a surgir algumas expe­riências nesse sentido. Um dos pioneiros foi Renato Via­na (1894-1953) que, junto com Ronald de Carvalho e o compositor Heitor Vila-Lobos, criou o movimento teatral "Batalha da Quimera". Pela primeira vez no Brasil tentava-se fazer um espetáculo integrado em todos os seus aspectos, usando-se luz, som e planos diferentes para obter efeitos dramáticos. Para escândalo do público, pela primeira vez num palco brasileiro, um ator dava as costas à platéia. Surgiu aí a primeira tentativa de direção, com o objetivo de se fazer um teatro de síntese. É nessa época que Antoine, Copeau, Max Reinhardt, Stanislawsky, Gordon Craig e outros inovadores do teatro europeu se tomam conhecidos e comentados nos meios teatrais brasileiros. Sob a influência da revolução cênica que ocorria na Europa, surge o Teatro do Estudante, fundado em 1938 no Rio de Janeiro por Paschoal Carlos Magno. A partir daí o teatro encontraria um novo terreno fértil.
A formação do grupo "Os Comediantes" em 1938, no Rio de Janeiro, dá início ao teatro contemporâneo no Brasil. A princípio, um grupo de amadores. "Os Come­diantes", imbuídos do espírito de renovação que carac­terizava a época, trabalharam no sentido de reformar esteticamente o espetáculo de teatro. Sem programa traçado, seu objetivo era fazer, de qualquer peça, um bom espe­táculo. Para isso, contrariando o que acontecia no Brasil, onde o ator principal garantia o sucesso do espetáculo, transferiram para o encenador a responsabilidade por esse sucesso. Entretanto, o trabalho de "Os Comediantes" não foi suficiente para mudar o panorama do teatro nacional. Isso só veio a acontecer em 1941, quando, fugindo do nazismo, chegou ao Brasil o polonês Zbigniew Ziem­binsk.

7. O Cinema
Nos finais da década de 20, foi criada a Companhia Cinédia, cujo primeiro filme, "Lábios sem Beijos", foi realizado por Humberto Mauro em 1930. No estúdio da Cinédia, logo depois nasceria o lendário filme "Limite", de Mário Peixoto. Objeto de classificações diferentes ­obra de vanguarda, filme surrealista - "Limite" aborda os conflitos gerados pelos condicionamentos que impedem a realização humana. Em 1933 Humberto Mauro termina a filmagem de sua mais importante obra: "Ganga Bruta", produzido pela Cinédia. Considerado um clássico da cinematografia brasileira, este filme penetra profunda­mente no meio social em que transcorre a ação. Ao mes­mo tempo, delineia todo o contexto simbólico sugerido pela história do engenheiro que mata a mulher na noite de núpcias, absolvido, tenta esquecer tudo trabalhando na construção de uma fábrica, mas não consegue resistir ao envolvimento de uma adolescente. A mesma companhia lança, ainda em 1933, "A Voz do Carnaval", filme de estréia de Carmen Miranda e prenúncio de um dos rumos que tomaria o cinema brasileiro.
A partir de 1933, o Rio de Janeiro entra numa fase de intensa produtividade, passando a dominar por muito tempo a cinematografia nacional. Um dos nomes de maior destaque continua sendo Humberto Mauro, já agora na Brasil Vita Film, fundada no início dos anos 30 pela atriz e empresária Carmen Santos. O principal filme da nova empresa, "Favela dos Meus Amores", é uma visão sentimental dos morros cariocas, assinada pelo cineasta de Cataguases. Entretanto, a produção cinematográfica da época girou mesmo em tomo da Cinédia, que realizou o primeiro grande sucesso do cinema falado brasileiro: o musical "Coisas Nossas", do americano Wallace Downey. Nesse período, já começava a se desenvolver a chancha­da, gênero que dominaria durante muito tempo a cine­matografia nacional,
Em 1945, a Cinédia produziu "O Ébrio", dirigido por Gilda de Abreu, e tendo como ator o cantor Vicente Celestino. História folhetinesca sem grande valor cine­matográfico, "O Ébrio" alcançou enorme popularidade, sendo o filme nacional do qual mais cópias se tirou até hoje. Paralelamente, a Cinédia tentava fazer um cinema de nível mais elevado - uma de suas realizações nesse sentido foi a filmagem do romance "Pureza", de José Uns do Rego. No início dos anos 40, foram realizadas pouquíssimas fitas de enredo, mas esse panorama iria mudar no decorrer dessa década.
Em 1943, funda-se a companhia Atlântida, que es­tréia com o filme "Moleque Tião", interpretado por Gran­de Otelo, ator já conhecido, cuja vida foi o tema do filme. "Moleque Tião" mostra a intenção que a companhia tinha de adorar uma linha de cuidadosa filmagem de assuntos brasileiros. No entanto, tal intenção não se cumpre, e em breve, a Atlântida passa a se dedicar sobretudo à "chan­chada", comédia ligeira e descompromissada, um gênero "fácil" e de grande aceitação popular. Geralmente rechea­da com números musicais, lançava freqüentemente as canções que se tomavam sucessos carnavalescos. Os grandes nomes da chanchada são Oscarito, Grande Otelo, Eliana Macedo, Zezé Macedo, Anselmo Duarte, e os diretores José Carlos Burlem, Lulu de Barros e Car­los Manga, entre outros. A intenção de se fazer um cine­ma de melhor nível, na época, aparece em filmes como 'O Cortiço' (baseado no romance do mesmo nome, de Aluí­sio Azevedo); "Inocência" (baseado no romance de Vis­conde de Taunay); ou em filmes baseados em textos de Jorge Amado, como "Terra Violenta" e "Estrela da Ma­nhã". Em "Vinte e Quatro Horas de Sonho", apelou-se pa­ra o que possuía o teatro nacional de mais prestigioso no momento: o autor e ator teatral Silveira Sampaio - então em plena ascensão -, que sugeriu a possibilidade de uma comédia cinematográfica mais leve e sofisticada. Mas o que o público preferia realmente era a chanchada, que dominou o cinema nacional por quase 20 anos.
Brasil Contemporâneo (1946-95)

Durante este período, a História do Brasil conheceu três momentos importantes. Nos dezoito anos iniciais (1946-1964), o País viveu sob o signo da democracia populista, numa fase denominada República Liberal; se­guiram-se depois os vinte e um anos do Estado Auto­ritário, iniciado com o golpe de 1964 e encerrado nas eleições indiretas de janeiro de 1985, com a vitória de Tancredo Neves. A partir daí, teve início a última fase, marcada pelo fim do autoritarismo e pelo retorno à :i1ormalidade democrática, chamada por muitos de Nova República.
A REPÚBLICA POPULlSTA (1946-1964)
A partir de 1930, a economia e a sociedade brasileiras passaram por transformações significativas. No aspecto político, com o colapso do sistema oligárquico da Re­pública Velha, iniciou-se o processo de modernização do Estado. A crise da economia agrário-exportadora, até en­::ão dominante, permitiu o avanço da industrialização, es­pecialmente na Região Sudeste. O aumento da população nos principais centros urbanos mostrou que as cidades estavam começando a predominar sobre o campo. A industrialização, a urbanização e a expansão do setor de serviços permitiram o crescimento de novas forças sociais: o empresariado industrial, a classe média e o operariado. Essas novas forças, embora possuíssem algumas aspira­ções comuns, também apresentavam interesses comple­tamente divergentes; o primeiro, por exemplo, defendia o crescimento econômico a qualquer custo; o segundo, o poder de consumo; e o terceiro, o real valor dos salários.
Nessa época deu-se a proliferação dos partidos polí­ticos (pluripartidarismo) refletindo os desencontros que envolviam os vários segmentos de uma nova sociedade urbana e industrial do século XX; as massas urbanas fo­ram incorporadas ao processo político e, como suas aspi­rações não podiam ser ignoradas, passaram a ser manipu­ladas por políticos e pelo próprio Estado, dando origem ao populismo.
A República Populista, iniciada com o fim do Estado Novo (1945) e encerrada com o golpe militar de 1964, teve suas características moldadas a partir dessas trans­formações, mas também sofreu influência dos aconteci­mentos internacionais que marcaram o pós-guerra.
Após a II Guerra Mundial, dois blocos disputaram a liderança política, econômica, militar e ideológica do Mundo Contemporâneo: o Bloco Ocidental, capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o Bloco Oriental, socia­lista, dirigido pela União Soviética. Sendo o Brasil inte­grante do Bloco Ocidental, as manifestações populares ocorridas no País passaram a ser encaradas como "agi­tações comunistas".
Ainda na República Populista, os governos presiden­ciais adotaram diversos planos e programas econômicos, acentuando o papel do Estado como promotor e coordenador do desenvolvimento nacional. O País estava divi­dido entre duas propostas de desenvolvimento: a nacio­nalista-industrial, favorável à intervenção do Estado na economia (modelo getulista), e a desenvolvimentista-in­dustrial, que defendia a participação do capital estrangeiro na economia brasileira.

1. Governo Eurico Gaspar Dutra (1946-1951 )
A vitória de Dutra colocou em execução uma política con­servadora. Em seu governo, procurou unir os partidos de centro e formar "uma muralha ao perigo vermelho", rompen­do relações diplomáticas com a URSS, colocando o Partido Comunista na ilegalidade e cas­sando seus representantes nas Câmaras Legislativas. Externa­mente, Dutra consolidou a alian­ça com os EUA. Neste sentido, durante a visita do presidente norte-americano, Harry Tru­man, ao Brasil, foi assinado o Tratado de Assistência Recíproca e criada a Comissão Mista Brasil-EUA.
Internamente, com o Plano SALTE (Saúde, Alimen­tação, Transporte e Energia), cuja finalidade era coorde­nar os gastos públicos, executou-se a pavimentação da Rodovia Rio-São Paulo (Via Presidente Dutra), a abertura da Rodovia Rio-Bahia e a instalação da Cia. Hidrelétrica do São Francisco (exploração da Cachoeira de Paulo Afonso). No início de seu mandato, a pauta de importação elevou-se extraordinariamente: importação de bens su­pérfluos e de materiais de reposição à maquinaria desgas­tada (a importação estivera bloqueada devido à Segunda Guerra Mundial). Ao mesmo tempo, a elevação dos pre­ços internacionais do café e das matérias-primas resulta­ram em vultoso saldo na balança comercial, reequilibran­do nossas contas externas. Transcorreu, assim, o qüinqüê­nio presidencial do General Dutra em relativa paz política, com o aparecimento de vários partidos, voltando o País à normalidade administrativa ao mesmo tempo em que procurava se recuperar das conseqüências econômi­cas e financeiras da Segunda Guerra Mundial.
Em 18 de setembro de 1946, foi promulgada uma nova Constituição, apresentando as seguintes característi­cas: federação, regime representativo, presidencialismo, fortalecimento da União, presidente eleito por cinco anos, três senadores por Estado, voto universal obrigatório para maiores de 18 anos (exceto analfabetos, soldados, cabos e índios), criação do Tribunal Federal de Recursos.

2. Segundo Governo de Getúlio Vargas (1951-1954)
Sem a emergência de uma nova liderança política, a divi­são dos partidos e suas indecisões possibilitaram a candida­tura de Getúlio Vargas. Getúlio venceu com grande margem de votos, obtendo 3.843.000 votos (48,7%), sustentado pelo PTB, PSP (Partido Social Progres­sista, agrupamento populista em tomo de Adhemar de Bar­ros), vários setores do PSD e grupos de esquerda. Eduardo Gomes obteve 2.342.000 votos (29,7%), com o apoio da UDN e do PRP (Partido de Representação Popular - anti­gos integralistas de Plínio Salgado); e Cristiano Machado recebeu 1.697.000 votos (21,57%) representando parte do PSD. Getúlio iniciou seu mandato enfrentando uma infla­ção crescente, que minava as divisas nacionais.
Desenvolveu uma acentuada política nacionalista, li­mitando as inversões de capitais externos. Foi esse pro­grama, através do slogan "O Petróleo é Nosso", que criou a Petrobrás e a expansão da siderúrgica de Volta Redonda. Corriam boatos de um próximo golpe de Estado de Vargas para implantar no Brasil uma República Sindicalista, nos moldes do peronismo argentino. Os opositores a Getúlio, pelo seu passado como ditador, ou aqueles que vinham se opondo a ele neste novo mandato, congregaram-se numa campanha antigetulista. O presidente, por sua vez, acir­rava suas posições, como no discurso em Curitiba, em dezembro de 1953, denunciando a remessa de 'lucros para o estrangeiro como o fator crônico das dificuldades brasileiras. Sob tais circunstâncias, o quadriênio de Getúlio Vargas foi um dos mais agitados da História do Brasil. Getúlio tentou a aproximação com a "massa" (base-su­porte) por meio da fixação do salário mínimo, consegui da pelo ministro do Trabalho João Goulart (Jango). Para muitos confirmavam-se os boatos. A oposição aumentava e escândalos vieram à tona: corrupção de pessoas ligadas ao governo e financiamentos subornados do Banco do Brasil. Carlos Lacerda, um dos líderes civis da oposição a Getúlio e diretor do jornal carioca "Tribuna da Im­prensa", destacou-se na campanha contra Getúlio. De ou­tro lado, os ferrenhos adeptos do presidente viam a sua fi­gura política deteriorar-se. Foi nesse contexto que o aten­tado da Rua Toneleros contra Lacerda, no qual veio a fa­lecer o major-do-ar Rubens Vaz, representou o estopim para a oposição.
A Aeronáutica, defendendo a tese de Honra Nacional, ultrapassou a ação da Justiça na apuração dos responsá­veis pela morte de um dos seus membros.
Aos poucos, os resultados das investigações sobre os responsáveis pelo atentado levaram a elementos ligados à s Guarda do Catete. Surgiram notícias de que o atentado fo­ra arquitetado por Gregório Fortunato, o fiel guarda pes­soal do presidente. A tensão aumentava. A própria situa­ção econômica interna, sofrendo com a inflação crescente, deixava o povo descontente. O Exército interferiu no processo, pressionando Getúlio a demitir Jango da frente do Ministério do Trabalho (Manifesto dos Coronéis).
No dia 21 de agosto de 1954, o vice-presidente Café Filho, que era um alvo especial para a tentativa da UD. De fomentar uma cisão dentro do governo, sugeriu a Getúlio que ambos renunciassem, deixando que o Congresso elegesse um sucessor interino para o restante do mandato Presidencial. Getúlio recusou-se, dizendo a Café Filho que não abandonaria o Palácio antes do fim do seu mandato, exceto se estivesse "morto". No dia 23 de agosto, Café Fi­lho rompeu publicamente com o presidente.
No mesmo dia, 27 generais do Exército divulgaram um manifesto à Nação exigindo a renúncia de Getúlio. Na madrugada de 24 de agosto, Vargas suicidou-se com um :iro no coração.

3. Governo Café Filho (1954-1955)
Com a morte do presidente, subiu ao poder, de acordo com a Constituição, o vice-presidente Café Filho. No ano seguinte realizaram-se as eleições presidenciais. Juscelino Kubitschek (governador mineiro) venceu com 3.777.411 votos e, para a Vice-Presidência, foi eleito João Goulart com 3.591.409 votos, apoiados pelo PSD e PTB. A UDN lançara seu candidato, o general Juarez Távora, que recebeu 30% dos votos; pelo PSP, disputou Adhemar de Bar­ros, com 26%, e, pelo PRP, Plínio Salgado, com 8% do total de votos.
Logo após as eleições, evidenciaram-se conflitos po­:iticos. Afastado do cargo, por doença, Café Filho passou Presidência, de acordo com a Constituição, ao presi­dente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, em 8 de no­vembro de 1955.
Carlos Luz logo se indispôs com o marechal Henrique Teixeira Lott, ao negar seu pedido para repreender um coronel que proferira um discurso contrário à posse de Juscelino. Luz tomava-se, assim, cúmplice da atitude do coronel.
Lott, incitado por outros generais, e para manter a legalidade constitucional, depôs o presidente na manhã de 11 de novembro.
Declarado o impedimento de Carlos Luz, na tarde do' dia 11, subiu ao poder o vice-presidente do Senado, Nereu Ramos. O País foi mantido em estado de sítio até 31 de janeiro de 1956, data da posse de Juscelino Kubitschek.

4. Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961)
Com a posse de Juscelino, sob a proteção do Exército, ini­ciou-se uma das fases mais im­portantes da história econômica do Brasil. Nos anos de 1956-­60, realizou-se ampla e profunda transformação do sistema econômico do País. A política econômica governamental des­ses anos foi o Programa de Metas. E a execução provocou uma "transformação qualitati­va" na economia brasileira, provavelmente a mais ampla ação orientada pelo Estado na América Latina, com vistas à implantação de uma estru­tura industrial integrada.
O governo Kubitschek adotou uma política que consolidou e expandiu o "capitalismo associado ou dependente" brasileiro.
Durante a Era de Vargas, houve uma política destinad­a a criar um sistema capitalista nacional, e no governo de Jusce1ino, uma política orientada para o desenvolvimento econômico além de ter lançado as bases da indústria automobilística e naval, deu grande incentivo à indústria si­derúrgica e ampliou o parque rodoviário. Juscelino im­pulsionou as grandes usinas hidrelétricas de Fumas e Três Marias. Foi ele o criador e promotor da "Operação Pan­-Americana", que procurou alertar os EUA para a situação econômica e social da América Latina e que foi a pre­cursora da "Aliança para o Progresso".
A construção de Brasília, a nova capital do País, pre­vista desde a Constituição de 1891, converteu-se em sím­bolo de sua política. A obra foi confiada ao famoso arquiteto Oscar Niemeyer e ao urbanista Lúcio Costa. Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960.
Com seu slogan "Cinqüenta anos em cinco" (50 anos de progresso em 5 de governo), Juscelino foi bem-suce­dido, ao menos no que se refere à produção industrial, que se expandiu amplamente (cerca de 80% entre 1955 e 1961) e, o que é mais importante, com predominância da produ­ção de bens de capital (siderurgia, indústria mecânica, de material de transporte etc.).
Outra grande realização, ainda que de sucesso desi­gual, foi a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). De outro lado, as realizações de Jus­celino produziram um amplo e profundo surto de interna­cionalização da economia brasileira.
O apoio financeiro estrangeiro para tais empreendi­mentos foi obtido com a instrução número 113 da SU­MOC, atraindo grandes empresas internacionais. Em con­seqüência disso, o controle externo sobre os mais impor­tantes ramos industriais atingiu altas taxas.
Durante o seu governo, Juscelino enfrentou, além de forte oposição política, algumas tentativas de insurreição por parte de alguns militares (Levante de Jacareacanga e Rebelião de Aragarças), mas, ao terminar o seu mandato, anistiou todos os revoltosos. É evidente que o custo de suas realizações redundou em elevados índices de infla­ção, entretanto os benefícios sociais obtidos poderiam ser invocados como justificativa.

5. Governo Jânio Quadros (1961)
Em 1960 foi eleito Jânio da Silva Quadros, ex-governador de São Paulo, acompanhado na Vice-Presidência por João Gou­lart. Jânio venceu com 5.604.000 votos (48%), apoiado pela UDN. Enquanto seu principal concorrente, o marechal Lott, obteve 3.810.000 votos (28%), pelo PTB. Sua posse, a primeira em Brasília, deu-se em 31 de janeiro de 1961.
Uma vez no poder, Jânio Quadros encetou, com vistas ao restabelecimento do equilíbrio financeiro do País, uma pressão sobre o consumo e o reajustamento cambial. Criou os ministérios da Indústria e Comércio e das Minas e Energia. Jânio nomeou uma comissão para definir a limitação da remessa de lucros para o Exterior; instaurou inquéritos para apurar denúncias de corrupção administrativa e exigiu drásticas medidas antiinflacionárias. Jânio como presidente não e muito diferente do Jânio governador. Continuava com uma personalidade conflitante e muitas vezes difícil de ser entendida. Sua política externa (abertura comercial e diplomática) - incluindo sua inclinação a defender a Revolução Cubana, chegando a prestigiar "Che" Guevara com a alta condecoração nacional -, acabou criando e provocando forte reação contra ele. Carlos Lacerda, governador da Guanabara, denuncia um golpe janista. A própria opinião pública que o apoiava começa a reagir contra algumas de suas medidas (proibição do uso de biquíni, proibição da chamada "briga-de-galo" e regulamentação das corridas nos jóqueis-clubes) etc. O controverso político, que chegou à Presidência da República com a maior votação que um homem público jamais havia alcançado no Brasil até então, surpreendeu toda a Nação, no dia 25 de agosto de 1961, após quase 7 meses ­de governo, com a sua renúncia ao cargo de presidente. Este gesto nunca foi totalmente esclarecido. Na ausência do vice-presidente, João Goulart, que se encontrava visitando a República Popular da China, assumiu o posto o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazilli. Estava deflagrado o processo que resultaria no Movimento Revolucionário de Março de 1964. Voltando de uma viagem à Europa, Jânio candidatou-se, em 1962, ao governo de São Paulo e foi derrotado.
Verificou-se uma radicalização acentuada dos parti­dos políticos de direita e de esquerda, relativa à orientação dada aos assuntos econômicos e políticos, nas relações in­ternas e externas.
Após a renúncia de Jânio, os ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica julgaram inconveniente à Segu­rança Nacional o regresso do vice-presidente, acusado de comprometimento com os comunistas. Em oposição aos ministros militares levantou-se o governador Leonel Bri­zola, defendendo a "legalidade". Com a evolução da crise política e a radicalização dos grupos antagônicos, o País se viu diante da possibilidade de uma guerra civil. Diante da grave situação interna e visando contornar o veto dos ministros militares à posse do vice-presidente como chefe de um regime presidencialista, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional n° 4 à Carta de 1946, que instau­rava o regime parlamentarista no Brasil.

6. Governo João Goulart (1961-1964)
João Goulart era o herdeiro político de Getúlio e também alvo dos adversários de Vargas. Era o líder de um grande parti­do - o PTB. Rico estancieiro do Rio Grande do Sul, Jango carecia de visão política à lon­go prazo e não tinha a popula­ridade de um grande político.
Seu primeiro período de go­verno, enfraquecido pelo regi­me parlamentarista e tumultuado pelas sucessivas tentativas de se formar um Gabinete, representou uma época de manobras políticas para recuperar a plenitude dos poderes presidenciais. Procurou conquistar a confiança dos grupos conservadores e dos militares, revelando princípios que pudessem ser identificados como anticomunistas e comprometidos com o processo democrático. Mas, ao mesmo tempo, manobrava para garantir-se com a esquer­da através de programas tipo "reformas de base" etc. Este seu jogo com a esquerda revelou-se perigoso, ante a multiplicidade de interesses e pressões que as lideranças deste grupo (fracionado em inúmeros subgrupos) procura­ram impor a seu governo.
Em julho de 1962, Tancredo Neves renunciou ao car­go de primeiro-ministro. San Tiago Dantas, nomeado para substituí-lo, não foi aceito pela Câmara dos Deputados. Auro de Moura Andrade, indicado a seguir, não conseguiu formar um ministério, pedindo demissão. O professor Brochado da Rocha conseguiu finalmente articular um ministério. Governou apenas até o dia 17 de setembro de 1962, quando seu ministério renunciou, em virtude de não concordar quanto à estratégia do plebiscito para reimplan­tar o regime presidencialista.
O novo primeiro-ministro era o professor Hermes Li­ma, que se manteve no poder até janeiro de 1963, quando num plebiscito foi rejeitado o parlamentarismo, sendo res­tabelecido o presidencialismo com a revogação da Emen­da Parlamentarista.
João Goulart iniciou sua fase presidencialista baten­do-se pelas "reformas de base", uma plataforma populista e esquerdizante que objetivava atrair as massas e aumen­tar o seu prestígio político.
Em 12 de setembro de 1963, ocorreu em Brasília, por motivos eleitorais, um levante de sargentos da Marinha e da Aeronáutica, prontamente dominado. No mês seguinte frustrou-se uma tentativa de instauração do estado de sítio, proposta pelos ministros militares e encaminhada pelo presidente ao Congresso, mas rapidamente retirada, haja vista a hostilidade da opinião pública. A situação po­lítico-militar agravou-se rapidamente e no campo econô­mico Goulart já cogitava, em 1963, decretar uma moratória internacional, pois o País não poderia mais pagar seu débito externo.
A agitação de cunho esquerdizante, promovida pelo próprio governo, chegando mesmo a fomentar a indisci­plina entre integrantes das Forças Armadas, inquietou a classe dirigente e chefes militares, já apreensivos com a inflação galopante e a queda da taxa de desenvolvimento.
Com a cooperação dos governadores dos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Guanabara e Rio Grande do Sul, as Forças Armadas depuseram o presidente Goulart, aos 31 de março de 1964.
O Congresso Nacional, no dia 2 de abril, declarou a vacância da Presidência da República, assumindo­ a o presidente da Câmara, o deputado Ranieri Mazilli. Em 9 de abril, o Alto Comando Revolucioná­rio, composto dos novos ministros da Guerra, Marinha e Aeronáutica - o general Costa e Silva, o vice-almirante Augusto Rademaker Grunewaid e o tenente-brigadeiro Cor­reia de Melo -, editou o Ato Institucional Núme­ro 1, redigido por Francis­co Campos.
De acordo com o Ato, o Congresso Nacional ele­gia para a Presidência da República o chefe do Es­tado-Maior do Exército, o general Humberto de Alencar Castelo Branco, que tomou posse em 15 de abril de 1964.

Regime Militar (1964-1985)
A Revolução democrática de 1964 foi desfechada para evitar a ameaça "comunista", e em defesa da democracia e da liberdade. Com ele, iniciavam-se os vinte e um anos do chamado "regime militar", marcado pelas restrições aos direitos e garantias individuais, pela extinção dos antigos partidos políticos. Procurando descaracterizar-se como um Estado de Exceção, a nova ordem, manteve algumas instituições democráticas: o Congresso Nacional. As eleições, em todos os níveis se processariam dentro das variadas regras e restrições, que se estabeleceriam a partir de 1964.
O novo regime tinha um dos seus mais importantes fundamentos na Doutrina de Segurança Nacional, forte­mente influenciada pela conjuntura da Guerra Fria e pela crise do populismo. Segundo essa doutrina, que substituía o conceito de "defesa nacional" pelo de "segurança nacio­nal", era preciso combater os comunistas e outras forças "subversivas" que se infiltravam em todos os setores da comunidade brasileira, visando desestabilizar o governo. as autoridades e as instituições nacionais. Para isso, deu-­se início à planificação global do País, visando à supe­ração dos problemas de natureza social, política e econô­mica, instrumentalizados pelas forças do comunismo. Fo­ram criadas novas políticas, abrangendo todas as ativi­dades nacionais, destacando-se, entre elas, a política eco­nômica, cujo objetivo maior era o desenvolvimento eco­nômico e a integração nacional centralizada, associada ao capital estrangeiro.

1. Governo Marechal Castelo Branco (1964-1967)
Ao tomar posse, em abril de 1964, Castelo Branco defron­tou-se com quatro problemas básicos: a alta galopante dos preços, que ameaçava a econo­mia; a estagnação da produção; a crise da balança de pagamentos e a desordem político-social. Toda essa situação levou virtual paralisação dos investimentos estrangeiros.
Após o período inicial de expurgos e cassações, o Governo Castelo Branco, constituído de uma mistura de poli ticos e tecnocratas, deu início a um amplo programa d estabilização econômica e combate inflacionário. Castelo Branco lançou as bases das reformas administrativa, eleitoral, bancária, tributária, habitacional, política e agrária. Criou o Cruzeiro Novo; implantou o Banco Central e o Banco Nacional de Habitação, unificou a Previdência Social através do INPS; integrou o Brasil nas comunica­;ões por satélite e criou a Embratel. Foi ele o responsável pelo restabelecimento da ordem interna; reformou as ins­tituições militares e os ministérios, procurou restaurar o País econômica e financeiramente; criou o Fundo de Ga­:antia por Tempo de Serviço. Apesar das dificuldades surgidas durante o Governo Castelo Branco, ele criou condições para a elaboração de um plano de desenvolvi­mento que visava atender aos objetivos da Revolução. Mas o problema básico do Governo Castelo Branco era o de formular uma base política. Seu mandato, que termi­naria em janeiro de 1966, foi prorrogado, em julho de 1964, até 15 de março de 1967. Por outro lado, os líderes políticos que apoiaram o Movimento de Março de 64 for­mavam um grupo extremamente heterogêneo e não demo­rou muito para começar a surgir divergências entre eles quanto aos destinos do movimento. Ante o posicionamen­to daqueles líderes políticos, viu-se o governo revolucio­nário diante da necessidade de modificar o processo elei­toral para resguardar o próprio Movimento de Março de 64. Nas eleições de outubro de 1965, por exemplo, dos onze Estados onde ocorreram eleições, em dois - Guana­bara e Minas Gerais - venceu a oposição (Negrão de Lima e Israel Pinheiro). A ala radical do governo - a chamada "linha dura" - reagiu e em conseqüência o presidente promulgou o Ato Institucional Número 2 (27/10/1965), que extinguia os partidos políticos. Deu-se então a res­pectiva recomposição, constituindo-se dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimen­to Democrático Brasileiro (MDB), sendo o primeiro go­vernista e o segundo da oposição. Em 5 de fevereiro de 1966, baixou o Ato Institucional Número 3, que regu­lou as eleições indiretas, a cargo das Assembléias Legislativas, para o governo de onze Estados brasileiros.
Nos dois últimos meses de 1966, o governo preparou e encaminhou ao Congresso o projeto de autoria de Carlos Medeiros da Silva, na época ministro da Justiça, para a nova Constituição - que seria a quinta da República e a sexta do Brasil-, e cuja tramitação foi fixada pelo AI-4.
A nova Constituição foi promulgada em janeiro de 1967. Nela mantinham-se o federalismo e o presidencia­lismo reforçado, com eleições indiretas para presidente e vice-presidente. Por outro lado, a Constituição permitia ao presidente: decretar estado de sítio sem consultar o Congresso durante 180 dias; decidir pela intervenção fe­deral nos Estados para evitar perturbações internas ou pa­ra garantir o respeito às leis; decretar o recesso do Con­gresso; legislar por decretos; demitir funcionários civis ou militares, cassar mandatos e suspender por 10 anos os di­reitos políticos.
Em fevereiro de 1967, foi reformado o padrão mone­tário, criando-se o cruzeiro novo e reajustando-se a taxa do dólar em bases mais realistas. O último ato do Governo Castelo Branco foi a instituição da Lei de Segurança Nacional.
Pouco depois de deixar a Presidência, aos 18 de julho de 1967, Castelo Branco morreu num desastre de avião, perto de Fortaleza.

2. Governo Marechal Costa e Silva (1967-1969)
Arthur da Costa e Silva, que assumiu o poder em 15 de mar­ço de 1967, teve uma gestão bastante agitada. Articularam-se contra o regime várias alas oposicionistas que haviam for­mado a chamada Frente Ampla. Reagindo, providenciou o mi­nistro da Justiça, o Prof. Gama e Silva, a sua supressão, de acordo com a Constituição.
Em 1968, sob a inspiração das violentas agitações estu­dantis que eclodiram na Europa e em particular na Fran­ça, registraram-se graves tumultos de rua em várias ca­pitais do País, que colocaram em risco o Movimento Re­volucionário de 1964. A conduta contrária dos líderes políticos da oposição diante das medidas propostas pelo Executivo para conter a evolução da crise interna fez com que o governo reforçasse o Poder Executivo, através do AI-5. O Congresso foi colocado em recesso e o governo assinou mais sete Atos Institucionais e 24 complemen­tares para preservar os objetivos revolucionários de 1964.
No Governo Costa e Silva, foi criada a Petroquisa, empresa subsidiária da Petrobrás, que visava acelerar o desenvolvimento da indústria petroquímica. Dotada de es­trutura elástica, a nova companhia ficou autorizada a as­sociar-se com empresas particulares para a realização de seus projetos. Além disso, foi iniciada a construção da ponte Rio-Niterói (que receberia o nome de Presidente Costa e Silva), reaparelhou-se a Marinha Mercante e ini­ciou-se a implantação da Previdência Rural.
Preocupado com o retomo à legalidade, Costa e Silva confiou ao vice-presidente Pedro Aleixo a missão de ela­borar uma nova Constituição que conciliasse uma aber­tura democrática com os dispositivos contidos no AI-5. Essa segunda Constituição revolucionária estava pronta para ser assinada, quando o presidente foi acometido de súbita enfermidade (agosto de 1969) que o obrigou a afas­tar-se do cargo. Uma junta militar, composta pelo general Aurélio Lyra Tavares, pelo almirante Augusto Rademaker e pelo brigadeiro Márcio de Souza e Melo, assumiu o po­der em lugar do vice-presidente Pedro Aleixo. O seqües­tro do embaixador dos Estados Unidos por elementos da esquerda agravou a crise política. No dia 6 de outubro de 1969, diante de impossibilidade de recuperação de Costa e Silva, a junta militar considerou extinto o seu mandato - um ano e sete meses antes do término legal-, indicando o general Médici como o seu sucessor e o almirante Rade­maker como vice-presidente. Em 17 de dezembro de 1969, faleceu Costa e Silva, vítima de um enfarte.

3. Governo General Garrastazu Médici (1969-1974)
No mesmo dia da posse (30/10/69), entrou em vigor a Emenda Número 1 à Constituição de 1967. Por essa emenda, 58 artigos foram acres­centados ou substituíram ou­tros. As principais inovações introduzidas foram: mandato presidencial de 5 anos; confir­mação de todos os Atos Insti­tucionais, só suspensos por de­cretos presidenciais; eleições indiretas para governador em 1970, passando a diretas a partir de 1974; pena de morte para os casos de guerra revolucionária ou subversão; número de deputados calculado de acordo com o eleitorado e não mais com a população; alteração no estatuto da inviolabilidade parla­mentar; ampliação das faculdades do Executivo em legis­lar por decreto-lei; e impedimento do Poder Judiciário em rever atos praticados com base nos Atos Institucionais e Complementares.
Um dos primeiros atos do novo presidente foi a assi­natura do decreto-lei que estendeu para 200 milhas os li­mites do mar territorial brasileiro. Durante o seu governo foi criado o Plano de Integração Nacional, que incluía a construção das rodovias Transamazônica, Cuiabá-San­tarém e Manaus-Porto Velho; foi implantado um pro­grama de colonização às margens das rodovias; executou-­se o Projeto Radam (levantamento das riquezas da Ama­zônia); foram desenvolvidos a irrigação do Nordeste, o Programa de Integração Social, determinando que parte do Imposto de Renda e uma parcela do faturamento das empresas privadas fossem destinadas à constituição de um fundo em benefício dos empregados, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Pró-Rural) etc.
O desenvolvimento atingido pelo País em diversas frentes e a conseqüente ampliação dos mercados de traba­lho, os chamados grandes projetos de impacto lançados durante o Governo Médici, as vitórias esportivas do Brasil (a exemplo do Tricampeonato Mundial de Futebol, as su­cessivas conquistas de Émerson Fittipaldi no automobi­lismo e de Éder Jofre no boxe), o trabalho desenvolvido pela Assessoria Especial de Relações Públicas da Presi­dência da República (AERP), no sentido de promover os valores cívicos e divulgar as realizações do governo, as campanhas institucionais do Conselho Na­cional de Propaganda - CNP (entidade privada mantida por empresas particulares de comunicação social) - de estímulo às exportações, à educação, e diversos outros fatores fizeram com que o Governo Médici atingisse um alto grau de popularidade.

4. Governo General Ernesto Geisel (1974-1979)
Durante 1974, foram criados o Ministério da Previdência Social, a Secretaria do Plane­jamento e o Conselho de De­senvolvimento Econômico; de­cidiu-se a fusão do Rio de Ja­neiro com a Guanabara e esta­beleceram-se as relações diplo­máticas com a República Po­pular da China (15/08/74).
Nas eleições parlamentares (dezembro de 1974), verificou-se expressiva vitória do MDB, que, para o Senado, ganhou em 16 dos 22 Estados brasi­leiros. Devido a este resultado, o governo começou a pre­parar seu programa de ação para as eleições seguintes, em nível municipal, a serem realizadas em 1976. No dia 10 /07/76 foi aprovada a Lei n° 6.639 - cujo texto fora solicitado no Ministério da Justiça e logo batizada de "Lei Falcão" -, que estabelecia as seguintes diretrizes gerais para a campanha eleitoral através do sistema de radio­difusão: divisão em partes iguais para os partidos e seus candidatos de horário gratuito, apresentação do nome do candidato, sua legenda, seu número, seu currículo e sua fotografia. Com isso, o candidato a cargo eletivo via-se diante da necessidade de conquistar cada voto no contato direto com o eleitor.
Em dezembro de 1974, Geisel divulgou o II Plano Nacional do Desenvolvimento, que definia a política so­cioeconômica para 1975/79. Em janeiro de 1975, criaram-se a Comissão de Indústria da Construção Civil e o Polo­centro (Programa de Desenvolvimento dos Cerrados). Em abril, foi aprovado o Plano Nacional de Saneamento; em junho, foi assinado o acordo de cooperação nuclear Bra­sil-Alemanha. Em dezembro, os presidentes Geisel e Stroessner assinaram o Tratado de Amizade Brasil-Para­guai, de colaboração econômica, tecnológica e cultural entre os dois países.
No dia 9 de outubro de 1975, foram anunciadas me­didas para enfrentar os efeitos sobre o Brasil da crise eco­nômica mundial: a Petrobrás ficou autorizada a assinar contratos com empresas estrangeiras para exploração de petróleo no Brasil. Nesses contratos existiam cláusulas que transferiam todos os riscos de despesas de pesquisa e exploração às empresas interessadas, caso estas não en­contrassem petróleo nas áreas contratadas (são os popu­larmente conhecidos "contratos de risco"). Foram ainda pesadamente sobretaxadas as importações de artigos con­siderados supérfluos. Em fevereiro de 1976, o presidente da República instituiu o Programa Nacional de Alimen­tação e Nutrição; em maio, inaugurou a Hidrelétrica de Marimbondo, entre São Paulo e Minas Gerais, e assinou a ata de constituição da Siderúrgica de Tubarão. Em 05/06/1976, assinou o Decreto-lei n° 1.470, criando um depósito prévio de Cr$ 12.000,00 para os viajantes ao Ex­terior.
O ano de 1976 foi marcado por importantes viagens do presidente Geisel ao Exterior: à França, à Inglaterra e ao Japão.

O chamado "programa de aperfeiçoamento do regime democrático", que lenta e gradualmente o presidente Geisel vinha desenvolvendo, possibilitaria: a criação de no­vos partidos políticos no País; o aumento dos poderes Le­gislativo e Judiciário; a participação representativa dos in­tegrantes do segmento civil em todos os níveis de decisão do Estado; e preparar o retomo às atribuições exclusiva­mente constitucionais de militares da ativa que, devido à conjuntura revolucionária, vinham ocupando cargos e funções tradicionalmente civis.



5. Governo General João Baptista de Figueiredo (1979-1985)
Considerado "o presidente da abertura", o general João Bap­tista de Oliveira Figueiredo foi eleito pelo Colégio Eleitoral, frustrando dois outros candida­tos sem nenhuma chance de vitória: o senador Magalhães Pinto e o general Euler Bentes Monteiro. Pela primeira vez, um candidato do chamado "Ciclo Revolucionário" per­correu o País inteiro antes de tomar posse no Planalto. Como "homem da Revolução de 1964", Figueiredo sempre este­ve ligado a seu predecessor, o general Geisel, tendo ainda sido chefe do Gabinete Militar do presidente Médici e chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI).
O novo presidente aproveitou ex-ministros dos quatro governos pós-64, atraiu técnicos e aceitou algumas indi­cações políticas. A seu ministro do Planejamento, Antônio Delfim Neto, coube pôr em prática um programa de go­verno que previa a contenção das despesas, a descentrali­zação administrativa, a diminuição da inflação, a privati­zação de empresas e serviços estatais e a concessão de prioridade à agricultura e às exportações.
No âmbito da política interna, Figueiredo assinou, em 27 de junho de 1979, o projeto de anistia que seria envia­do para a aprovação do Congresso, sem, no entanto, bene­ficiar os terroristas e tampouco devolvendo aos funcioná­rios e militares cassados os cargos e patentes perdidos. Em novembro do mesmo ano, a reforma partidária extin­guiu o bipartidarismo no País, possibilitando a formação de novas agremiações político-partidárias. Conseqüente­mente, uma nova ordem política começou a se delinear através do surgimento do PSD (Partido Social Democrá­tico, composto pela maioria dos antigos arenistas), PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro, que manteve seu caráter de frente oposicionista criado em 1965, quando da fundação do antigo MDB), PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, organizado pelo ex-governador Leonel Brizola, mas que acabou passando para o controle da ex-deputada Ivete Vargas, o que levou Brizola a criar o PDT - Partido Democrático Trabalhista) e PT (Partido dos Trabalhadores, liderado por muito tempo pelo metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva).
Com as eleições diretas para os governos estaduais, em 1982, o mapa político do País foi profundamente alte­rado. A oposição elegeu 10 dos 22 governadores (entre eles, os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) e a maioria da Câmara dos Deputados.
A partir de 1983, sociedade civil participou ativamente do movimento das Diretas-Já. No ano seguinte, a Emenda Dante de Oliveira, que propunha o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República, foi der­rotada no Congresso Nacional. Nesse mesmo ano, as opo­sições decidiram enfrentar o regime militar nas eleições do Colégio Eleitoral, valendo-se da cisão dentro do PDS, que deu origem ao PFL (Partido da Frente Liberal). A aliança do PMDB e PFL resultou na Aliança Democrá­tica, que lançou a chapa Tancredo Neves - José Sarney. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves, candidato das oposições, derrotou Paulo Maluf, o candidato do governo, dentro do próprio Colégio Eleitoral.
Eleito presidente da República, Tancredo Neves não chegou a tomar posse, vindo a falecer em 21 de abril de 1985.

A NOVA REPÚBLICA
Desde 1985, o Brasil vive um momento da sua His­tória que muitos chamam de Nova República. Com a re­democratização, as liberdades, direitos e garantias indi­viduais foram restabelecidas, e uma nova Constituição assegurou várias conquistas sociais.
A nova Constituição Brasileira foi promulgada em 5 de outubro de 1988. Manteve a forma republicana de gover­no, o sistema presidencialista, a divisão harmônica dos Três Poderes e ampliou o mandato presidencial para 5 anos. Além disso, apresentou importantes inovações. O voto universal, secreto e obrigatório para ambos os se­xos, dos 18 aos 70 anos, tornou-se facultativo entre os 16 e os 18 anos, bem como para os analfabetos. No plano eleitoral, foram estabelecidas as eleições diretas em dois turnos para presidente da República, governadores dos Estados e prefeitos das cidades com mais de 200 mil eleitores. No terreno social garantiu-se a livre criação de sindicatos, a ampliação do direito de greve, a ampliação da licença-gestante para 120 dias e as férias remuneradas com acréscimo de 1/3 sobre o salário.



1. Governo Sarney (1985-1990)
Quando Tancredo Neves não pôde tomar posse por motivo de doença, o vice-presidente José Sarney assumiu interinamente a Presidência da República e, com a morte de Tancredo, tornou-se presidente efetivo. Em seu gover­no teve início a transição democrática, enquanto se procu­rava uma solução para a crise econômica que se abatia sobre o País.
No processo de transição democrática, foram adotadas medidas para o pleno restabelecimento da democracia: eleições diretas em todos os níveis, legalização de partidos políticos de quaisquer tendências (inclusive os comu­nistas) e a convocação de uma Assembléia Constituinte.
Em 28 de janeiro de 1986, foi decretado o Plano Cruzado, que determinava a substituição do cruzeiro pelo cruzado na proporção de mil para um, congelava preços e aluguéis e reajustava automaticamente os salários, sempre que a inflação chegasse a 20%. O seu fracasso levou ao Plano Bresser (1987) e ao Plano Verão (1989), quando a moeda foi mudada para o cruzado novo; mas também es­ses projetos não deram resultado, e a inflação atingiu os maiores índices da História do Brasil.

2. Governo Collor (1990-1992)
Em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello, ex-governador de Alagoas, tomou posse como o primeiro presidente eleito, de forma direta, depois de 25 anos. Ini­ciou imediatamente a luta contra a crise econômica, atra­vés do Plano Brasil Novo.
Mais conhecido como Plano Collor, o novo plano econômico extinguiu o cruzado novo e voltou ao padrão cruzeiro; congelou preços e salários e bloqueou a maior parte do dinheiro das contas bancárias, poupança e apli­cações financeiras. Nos meses seguintes, o governo demi­tiu milhares de funcionários públicos e reduziu os impos­tos de importação de vários produtos, com o objetivo de forçar a queda dos preços dos produtos nacionais.
Entretanto, graves denúncias de corrupção, envol­vendo altos escalões do governo e familiares do presi­dente levaram o Congresso a formar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), a qual constatou a existência de um esquema de corrupção que envolvia o próprio presidente. Diante da ameaça de sofrer um impeachment (impedimento de exercer a Presidência da República) e da pressão da sociedade civil, Collor renunciou após dois anos de governo.

3. Governo Itamar Franco (1992­1995)
O vice-presidente Itamar Franco assumiu oficialmente a Presidência em 29 de dezembro de 1992, procurando ajustar o seu Ministério às forças políticas do Congresso Nacional. Seu governo foi marcado pelo plebiscito de abril de 1993 e pela aplicação do Plano Real, criado pela equipe econômica do ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso.
O plebiscito, consulta popular de 21 de abril de 1993, envolvia duas escolhas: entre a República e a Monarquia (formas de governo) e entre Parlamentarismo e Presiden­cialismo (sistemas de governo). A República e o Presiden­cialismo venceram o plebiscito com 55,45% do total dos votos.
A popularidade do Plano Real, que conseguiu baixar a inflação, deu a Fernando Henrique a vitória nas eleições presidenciais de 3 de outubro de 1994.

A produção cultural após 1945
A produção cultural brasileira, a partir dos anos 50, reflete em todas as suas manifestações as tendências que marcaram a cultura contemporânea do pós-Segunda Guerra Mundial. Assim, a cultura brasileira procurou se adequar às novas formas de linguagem e aos novos pa­drões estéticos que revolucionaram o convencionalismo, até então vigente. Contudo, buscava-se de forma crítica, compreender os problemas da nossa realidade social e política, com todas as suas características próprias. Iniciava-se nessa década o processo desenvolvimentista urbano-industrial que mudaria completamente as feições do País.

O Teatro
A partir do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) ­marco na história do teatro brasileiro - seriam geradas vá­rias tendências e movimentos que inovaram a arte cênica nacional, procurando valorizar textos e autores brasilei­ros. Destaque-se nessa época, as montagens de "A Moratória", "Ossos do Barão", "Bonitinha mas Ordinária", "Auto da Compadecida" e outras peças do repertório na­cional.
Nos anos 60, em meio à conjuntura de efervescência política, surgiu em São Paulo o Teatro de Arena; uma vigorosa tendência de reação à postura convencional do TBC. Nele foram encenados textos e autores afinados com o momento histórico brasileiro, suas contradições e seus problemas sociais e políticos, dentro de uma pers­pectiva do teatro despojado, caracterizado pelas mon­tagens simplificadas. Na mesma linha surgiriam, ainda, o Teatro Oficina - também em São Paulo - e o Grupo Opinião, no Rio de Janeiro. Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Viana Filho - Vianinha - seriam as grandes expressões desse teatro essencialmente político e de grandes realizações, como "Revolução na América do Sul", "Eles não usam Black-Tie", "Chapetuba Futebol Clube" e os musicais "Arena conta Zumbi", "Roda Viva" e outros. O teatro crítico e de participação quebrava os li­mites entre público e atores e, assim, palco e platéia toma­vam-se um único espetáculo.
Com a crise política da década de 1970, surgiram novos grupos teatrais, dentro de uma linha de vanguarda e com ênfase à produção coletiva, como Asdrubal Trou­xe o Trombone, Pood Minoga e Ornitorrinco. Nas duas últimas décadas emergiram novos autores e encenadores, como Otávio Frias Filho e Valter Rasi; alternaram-se as montagens de textos clássicos com novos trabalhos volta­dos para problemas pontuais ou do cotidiano. Destaque-­se, aí, o sucesso de montagens digestivas, como "Porca Miséria" e "Almanaque Brasil".

O Cinema
No cinema, por outro lado, os anos cinqüenta assis­tiram à falência das chanchadas e dos musicais ingênuos, imitação pobre das grandes produções de Hollywood, em voga desde a década anterior. O neo-realismo italiano, forjado na reconstrução de uma Europa destruída pela guerra e, ao final da década, a nouvelle vague francesa passaram a influenciar uma nova geração de cineastas brasileiros. Sob essa inspiração realizaram-se grandes filmes, ainda na década de 50, como "Rio 40 Graus", de Nelson Pereira dos Santos, por exemplo.
A década seguinte foi marcada pela evolução, na busca de um autêntico cinema brasileiro. O sucesso interna­cional de "O Cangaceiro" (1953), de Lima Barreto, e ou­tras obras retratando o sertão e o cangaço, a possibilidade de realização de produções baratas e afinadas com a reali­dade brasileira criaram as condições para o surgimento do cinema novo, cuja máxima era: "uma câmera na mão e uma idéia na cabeça". A grande figura do cinema novo foi, sem nenhuma dúvida, o baiano Glauber Rocha, rea­lizador de obras imortais, como "Deus e o Diabo na Terra do Sol" e "Terra em Transe" (1967).
A partir dos duros da repressão (década de 70), o cinema nacional voltou-se para os autores clássicos da literatura brasileira, disso resultando produções não me­nos famosas, como "São Bernardo", "Como era gostoso meu francês" e "Os Inconfidentes" etc.
Uma das tendências do cinema nacional nas duas úl­timas décadas é a valorização de temas relacionados às ocorrências da nossa História e aos tempos difíceis do autoritarismo, com destaque, respectivamente, para "Car­lota Joaquina" e "Lamarca".

A Música
A música popular brasileira, por sua vez, apresentou uma série de transformações significativas. Na década de 1950, a estranha fusão do samba tradicional com o cool jazz (jazz frio) produziu a mais importante expressão musical do Brasil contemporâneo: a bossa nova. A har­monia jazística, as batidas sincopadas do violão e a inter­pretação suave e intimista de seus intérpretes, como João Gilberto, fizeram da bossa nova um gênero musical peculiar. Criticada pelos puristas como uma música de elite (de apartamentos da Zona Sul carioca), e alienada em re­lação aos problemas da época, a bossa nova tomou-se um importante referencial da música popular brasileira, com grande repercussão no Exterior.
Foi a partir da bossa nova, nos anos sessenta, que passou a se constituir a MPB (Música Popular Brasileira), fundindo elementos da música erudita, ritmos africanos e da música folclórica e de raízes, como a música caipira. Nessa década, os festivais foram importantes agentes reveladores das várias tendências da música popular brasileira, como a música urbana de Chico Buarque de Holanda, a toada sertaneja moderna, como "Disparada", de Geraldo Vandré, e "Ponteio", de Edu Lobo, entre ou­tras. A produção musical dessa época foi marcada pelo protesto, pela denúncia, em plena passagem para a dita­dura militar repressiva e intolerante. Nessa medida, a mú­sica - ao lado do teatro - foi um dos mais importantes núcleos de resistência ao autoritarismo dos anos 60 e 70. Esse caráter político pode ser explicado pelo surgimento de compositores e autores com reconhecida militância na política estudantil, vinculados ao Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE).
A década de sessenta conheceria ainda a tropicália, uma complexa fusão da MPB, bossa nova, ritmos latinos e ingredientes da música erudita, dando uma nova dimensão aos textos e versos de Oswald de Andrade e dos concretistas Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pig­natari; tudo dentro da concepção plástica de Hélio Oiti­cica. O tropicalismo, entendido como a busca de uma es­tética verdadeiramente brasileira (mesmo no seu univer­salismo, capaz de unir guitarras elétricas, elementos do pop internacional, violinos e atabaques africanos), teve em Torquato Neto, Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil e no maestro Rogério Duprat suas grandes expressões. Sua forma caótica, identificando-se com a revolução comportamental e a contracultura, típicos do período, valeu-lhe pesadas críticas das esquerdas ligadas à UNE e dos cultores da MPB, tendendo cada vez mais a buscar, nos compositores da "velha guarda", a trilha da autêntica música brasileira.

Um comentário:

João Roberto disse...

Muito bom Prof. Américo! O Sr. sempre quer nos ajudar de uma forma ou de outra! É muito gratificante ter um Disciplinador como você...Parabéns pelo seu trabalho!