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REFORMA E CONTRA-REFORMA - COLABORAÇÃO PROFESSOR ODÍLIO CAVALCANTE DO COLÉGIO MILITAR DE CAMPO GRANDE

REFORMA E CONTRA-REFORMA

1. Introdução

“A Reforma Religiosa do século XVI foi a grande revolução espiritual da Época Moderna, representando, no nível religioso, a passagem do feudalismo ao capitalismo. Não foi simplesmente uma reforma, pois ao romper a unidade do cristianismo no Ocidente transformou brutalmente a estrutura eclesiástica e a doutrina da salvação. Mudou, portanto, aspectos formais e de conteúdo. Nos fins da Idade Média a palavra ‘reforma’ era usada com o significado de purificação interior dos fiéis e de busca de regeneração da Igreja Católica. Os protestantes a entenderam como a restauração do verdadeiro cristianismo contra o mundanismo de Roma e a imoralidade do clero católico, fazendo um grande esforço para diminuir a importância da renovação que a própria Igreja realizou dentro dos seus quadros”. Com base em uma análise ampla da conjuntura e do processo histórico pode-se afirmar que “tivemos reformas e não reforma: a Pré-Reforma, a Reforma Protestante, a Reforma Católica e a Contra-Reforma”. (ARRUDA, José Jobson de A. História Moderna e Contemporânea. S. Paulo. Ática. 20ª ed, 1987, p. 44)

2. Causas da Reforma

Muitos historiadores, quando abordam as causas da Reforma, geralmente o fazem colocando em primeiro lugar as transformações econômicas, políticas, sociais e culturais, – em detrimento dos fatores religiosos. O historiador José Jobson de A. Arruda, acertadamente, afirma que “as mudanças econômicas, sociais e políticas criaram o ambiente ideal para a Reforma, mas não se pode dar para os problemas religiosos explicações exclusivamente materiais, eco-nômicas. A Reforma não é filha do capitalismo. O grande problema foi a crise religiosa resultante de um descompasso entre as necessidades espirituais dos fiéis e a organização da Igreja Católica”. (ARRUDA, José Jobson de A. – Op. cit., p. 45 – Itálicos acrescentados). Portanto, as causas religiosas devem ter a primazia sobre as demais, como se segue:
2.1 – Causas religiosas:
a) Crise moral e espiritual da Igreja na época. O descontentamento com a situação de decadência moral e espiritual em que se encontrava a Igreja na época – situação essa exemplificada no secularismo dominante, nos abusos cometidos pelo clero, na desorganização, indisciplina, anarquia e desqualificação de muitos membros do clero para o exercício de sua função.
b) Divergências dogmáticas(doutrinárias). A existência de crenças e práticas incorporadas ao longo do tempo à dogmática da Igreja, cuja validade creditava-se à Tradição e não à Bíblia, sendo, por isso, objeto de frequentes discórdias. (Ex.: A doutrina das indulgências).
c) Desejo de um retorno ao cristianismo primitivo. Ao longo da Baixa Idade Média surgiram vários movimentos reformistas que desejavam restabelecer a fé cristã em sua simplicidade e pureza primitivas, rejeitando a autoridade da Tradição eclesiástica.
d) Difusão da Bíblia, propiciada pela invenção da imprensa.
e) O exemplo dos movimentos precursores da Reforma ou Pré-Reforma.
f) Causa imediata: a venda de indulgências.

2.2 – Causas políticas:
a) A superação da ordem feudal no plano político, com a centralização do poder nas mãos dos reis, que resultou na formação das Monarquias Nacionais e da consciência nacional.
b) Reações nacionalistas das Monarquias Nacionais contra a interferência da Igreja na área política.

2.3 – Causas econômicas:
a) Conflito entre os ideais da dinâmica classe burguesa e os ideais do cristianismo medieval, que se posicionava contra o lucro e a usura.
b) Desejo de posse (confisco) dos bens da Igreja, por parte dos reis e dos camponeses.
c) Os impostos eclesiásticos, que provocaram descontentamento, especialmente na Inglaterra, onde já despontava o ideal nacionalista.

2.4 – Causas culturais: O desenvolvimento cultural da Baixa Idade Média, representado pelo Renascimento e o Humanismo, não foi igual em toda a Europa. Enquanto na Itália o Humanismo favoreceu o aparecimento de uma mentalidade secularizada, voltada para os clássicos gregos e latinos, na Alemanha e noutras partes da Europa (ou nos setores da sociedade de mentalidade religiosa mais arraigada), os humanistas dedicaram-se ao estudo das línguas originais da Bíblia (hebraico e grego), o que possibilitou a leitura das Escrituras nas línguas originais, o surgimento de novas traduções da Bíblia e o desenvolvimento da Crítica Textual.

3. Precursores da Reforma (Pré-Reforma)

Antes da Reforma do Século XVI, ocorreram várias tentativas de reforma, lideradas tanto por membros do clero como por leigos. Alguns exemplos são:
§ Pedro Valdo e os valdenses (França, Norte da Itália e Suíça)
§ John Wyclif (Inglaterra) e Jan Huss (Boêmia – atual República Tcheca).

4. A Reforma na Alemanha
4.1 – Causas. A Reforma começou na Alemanha devido aos seguintes fatores:
a) a fragmentação política da Alemanha, resultando em governo fraco, facilitando as intervenções papais; Igreja rica: possuía 20% das terras da Alemanha, provocando a cobiça dos nobres e a revolta dos camponeses;
b) mentalidade cristã mais enraizada;
c) Renascimento menos intenso;
d) burguesia em crise e camponeses arruinados.
4.2 – Martinho Lutero. Martinho Lutero nasceu na Turíngia (Alemana), em 1483. Tornou-se frade agostiniano. Posteriormente doutorou-se em Teologia e passou a lecionar na Universidade de Wittenberg, criada por Frederico II, o Sábio, Duque da Saxônia. Combateu o luxo da Igreja, os abusos do clero e as indulgências, contra as quais escreveu as 95 Teses, em virtude das quais foi excomungado pelo papa. Na Dieta de Worms negou retratar-se e foi condenado. Refugiou-se no castelo de seu protetor, Frederico da Saxônia, onde traduziu a Bíblia para o alemão. Casou-se com a ex-freira Catarina de Bora. Fundou o Luteranismo. Morreu em 1546.

4.3 – As doutrinas reformadas, conforme a Confissão de Augsburgo (1529), são:
a) as Escrituras Sagradas constituem o único dogma (“Sola Scriptura”);
b) a salvação é obtida unicamente pela fé (“Sola Fide”);
c) aceitação de apenas dois sacramentos: Batismo e Eucaristia (comunhão);
d) negação da doutrina da transubstanciação;
e) utilização do idioma nacional nas cerimônias religiosas em substituição ao latim;
f) supressão do clero regular, do celibato clerical e das imagens;
g) livre interpretação da Bíblia.

5. A Reforma Calvinista

5.1 – João Calvino. O fundador do calvinismo foi João Calvino (1509 – 1564), reformador francês. Perseguido na França, Calvino fugiu para Genebra, onde estabeleceu a sede de uma ditadura teocrática: regulamentou as atividades dos genebrinos, proibiu as diversões, as festas de família, os adornos, uso de vinho estrangeiro, uso de nomes que não estivessem na Bíblia e críticas ao governo. Escreveu Instituição da Religião Cristã.

5.2 – A doutrina calvinista. O calvinismo era mais radical e melhor organizado que o luteranismo. Admitia a Bíblia como única regra de fé, a predestinação, e negava o valor da Tradição Eclesiástica. O Calvinismo expandiu-se pela França, Suíça e Países Baixos. Na França os calvinistas eram chamados de huguenotes; na Inglaterra, puritanos; na Escócia, presbitereanos; na Holanda, deram origem à Igreja Reformada.
CARACTERÍSTICAS DO CATOLICISMO E DO PROTESTANTISMO, NO SÉCULO XVI


IGREJA CATÓLICA

SALVAÇÃO - Salvação pela fé e pelas boas obras.
FONTES DA FÉ - Escritura Sagrada e Tradição da Igreja.
A CONCEPÇÃO DE IGREJA - Igreja necessária à salvação. Primazia de Roma e hierarquia eclesiástica.
OS SACRAMENTOS - Sete sacramentos: batismo, crisma, eucaristia, penitência, ordem, extrema-unção.
A EUCARISTIA - Presença real de Cristo com transubstanciação.
O CULTO - Missa, centro do culto.

IGREJA LUTERANA

SALVAÇÃO - Salvação pela fé.(Sola Fide)
FONTES DA FÉ - Escritura Sagrada (Sola Scriptura).
A CONCEPÇÃO DE IGREJA - Igreja útil à salvação. Supressão da hierarquia eclesiástica.
OS SACRAMENTOS -Dois sacramentos:batismo e comunhão.
A EUCARISTIA - Presença real de Cristo sem transubstanciação.
O CULTO - Culto simplificado (instrução e comunhão).

IGREJA CALVINISTA

SALVAÇÃO - Salvação pela fé (predestinação).
FONTES DA FÉ - Escritura Sagrada.
A CONCEPÇÃO DE IGREJA - Igreja útil à salvação. Supressão da hierarquia eclesiástica.
OS SACRAMENTOS -Dois sacramentos: batismo e comunhão.
A EUCARISTIA - Presença espiritual de Cristo.
O CULTO - Culto muito simplificado (instrução e comunhão).

IGREJA ANGLICANA

SALVAÇÃO - Salvação pela fé (predestinação).
FONTES DA FÉ - Escritura Sagrada.
A CONCEPÇÃO DE IGREJA - Igreja útil à salvação. Manutenção da hierarquia eclesiástica.
OS SACRAMENTOS -Dois sacramentos: batismo e comunhão.
A EUCARISTIA - Presença espiritual de Cristo.
O CULTO - Supressão do sacrifício da missa; conservação da liturgia. Substituição do latim pelo inglês.

7. Consequências da Reforma

7.1 – Consequências religiosas:
a) rompeu a unidade do cristianismo no Ocidente, dando origem ao Protestantismo;
b) como os protestantes não adotaram os mesmos dogmas nem permaneceram unidos, surgiram várias ramificações derivadas da Reforma (“Igrejas Reformadas”): luteranos, calvinistas (huguenotes, puritanos, presbitereanos, Igreja Reformada), menonitas, etc.
c) difusão da instrução religiosa, pois os protestantes passaram a ler a Bíblia, traduzida para as línguas nacionais por diversos tradutores;
d) estímulo à participação dos fiéis nos cultos religiosos, que eram celebrados nas línguas nacionais em lugar do latim;
e) provocou conflitos religiosos entre católicos e protestantes. Freqüentemente esses conflitos tiveram participação dos governos, com o objetivo de favorecer seus interesses políticos;
f) surgimento, em alguns casos, de idéias mais radicais referentes à reorganização da sociedade, de acordo com a justiça de Deus. Isto aconteceu principalmente no Sacro Império, onde um grupo de camponeses, liderados por Thomas Müntzer, além de pretender a volta de uma Igreja como no tempo dos apóstolos, queria a abolição da propriedade privada e a instalação de um regime comunitário de propriedade da terra. Não tiveram o apoio de Lutero, e a revolta camponesa, que pretendia implantar essas idéias, foi duramente reprimida pela nobreza. Tanto Lutero quanto os nobres queriam apenas uma reforma religiosa e não uma revolução social;
g) clima de intolerância. Os seguidores de uma religião não aceitavam as outras – o que ocasionou perseguições, revoltas e guerras;
h) desencadeou a Contra-Reforma.


7.2 – Conseqüências políticas:
a) o enfraquecimento do poder político da Igreja Católica;
b) contribuiu para o aumento do poder dos reis (Absolutismo), uma vez que, nos países protestantes, a autoridade do papa foi quebrada;
c) o aparecimento de conflitos político-religiosos, como as guerras de religião na França e a Guerra dos Trinta Anos.

7.3 – Consequências econômicas:
a) fortalecimento dos ideais burgueses, principalmente com a difusão da filosofia calvinista, que justificava o lucro;
b) a formação do sistema econômico do Período Moderna, com a busca do lucro e o acúmulo de riqueza, foi muito influenciada pelos valores do calvinismo, que encorajava o trabalho e o lucro e condenava os prazeres e os gastos. De acordo com o calvinismo, o dinheiro acumulado não deveria ser desperdiçado e sim guardado e reinvestido.

7.4 – Consequências sociais:
a) provocou a emigração de colonos para a América, em busca de refúgio contra as perseguições religiosas ocorridas na Europa;
b) o estilo de vida dos adeptos da nova religião, principalmente os calvinistas, contribuiu para a ascensão social dos fiéis em virtude de sua ética, que combinava trabalho árduo, economia, honestidade e condenava os prazeres, os vícios e os gastos desnecessários.

7.5 – Consequências culturais:
a) a Reforma contribuiu para a educação, principalmente a primária. O incentivo à leitura da Bíblia, que passou a ser traduzida para as línguas nacionais, resultou no incentivo à educação, pois os pais queriam que os filhos aprendessem a ler para poderem ler a Bíblia;
b) o clima de efervescência cultural do final da Idade Média, associado à necessidade de preparar os pastores para o exercício de sua função, levou os países e comunidades protestantes à criação de escolas de todos os níveis, mais que os países católicos;
c) indiretamente, a Igreja Católica percebeu a necessidade de investir na educação de seus fiéis e na catequese – atividades nas quais se destacaram os jesuítas, a nova ordem criada por Inácio de Loyola.

8. Contra-Reforma e Reforma Católica

8.1 – Conceito de Contra-Reforma:
a) Contra-Reforma foi o movimento verificado no seio da Igreja Católica visando a discipliná-la e a corrigir os abusos existentes.
b) Contra-Reforma foi a reação católica contra a Reforma Protestante.

8.2 – Instrumentos da Contra-Reforma:
a) O Concílio de Trento (1545 – 1563), que pode ser considerado a Reforma Católica, dentre outras medidas, condenou a doutrina protestante e confirmou integralmente a doutrina católica; aconselhou a formação dos sacerdotes em escolas especiais (seminários); determinou a publicação de um resumo da doutrina católica, o catecismo; instituiu o Index, uma relação de livros proibidos pela Igreja; reafirmou os sete sacramentos e o valor das indulgências, etc.

b) A Companhia de Jesus. Fundada pelo espanhol Inácio de Loyola, em 1534, a Companhia de Jesus foi reconhecida pelo papa em 1540 e utilizada para combater a Reforma Protestante. Esta organização atuava na confissão, na pregação e na educação. Os jesuítas tiveram uma atuação marcante no estabelecimento do catolicismo na América.

c) A Inquisição ou Santo Ofício. Instituição criada pela Igreja no século XIII, com o objetivo de combater os chamados “crimes contra a fé”: heresia, apostasia, bruxaria, simonia e amancebia. No século XVI a Inquisição foi reorganizada para combater o avanço do protestantismo. Operava através dos Tribunais do Santo Ofício. Atuou na Espanha, Portugal, Itália, Países Baixos. Na América atuava através das visitações do Santo Ofício, com exceção do México onde havia tribunal instalado permanentemente.

Um comentário:

Ana Maziero disse...

legal tá bem explicado valeu por ajudar!!!